- O que está em causa?Foi no debate sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS) que o Bloco de Esquerda lembrou a promessa feita pelo ministro da Saúde em fevereiro deste ano. Em causa a resolução rápida do problema de acesso à IVG e o contraste com o relatório da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) que “confirma a ideia de um boicote silencioso ao direito das mulheres ao aborto seguro em Portugal”. Mortágua tem razão?

O reavivar de memória foi feito pela deputada do Bloco de Esquerda, Joana Mortágua, durante um pedido de esclarecimento no decorrer do debate sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS) realizado na última sexta-feira, 15 de setembro, na Assembleia da República.
"Em 2018, o BE fez um conjunto de perguntas a entidades do SNS e conclui que havia muitos obstáculos reais ao acesso ao aborto pelas mulheres em Portugal. O Governo nada quis saber sobre isto. Em fevereiro de 2023, há poucos meses, uma reportagem do DN deu conta da violência desses obstáculos, da humilhação que eles significavam e das respostas que eram dadas por muitos hospitais. Nessa altura o BE pediu uma auditoria e o senhor ministro respondeu: ‘Auditoria para quê, tudo estará resolvido em poucas semanas porque o problema é pontual, não vale a pena perder tempo com estudos'", citou a deputada bloquista
"O relatório da ERS que agora conhecemos não fala nem de problemas pontuais nem de problemas resolvidos, pelo contrário, confirma a ideia de um boicote silencioso ao direito das mulheres ao aborto seguro em Portugal", salientou.
Em resposta a esta intervenção, o ministro da Saúde frisou que não se pode confundir "os problemas que não podemos negar, que são graves e têm de ser resolvidos, com os resultados gerais e panorama geral daquilo que se passa no SNS".
"A verdade indubitável é que foi o SNS que resolveu o problema do acesso à Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) e é isso que continua a acontecer. Os dados, os tais estudos, os relatórios da Direção-Geral da Saúde mostram isso de forma indubitável. Não apenas o SNS realiza a IVG no período de tempo adequado - cerca de cinco a seis dias de espera média -, como mais de 90% das mulheres que recorre à IVG são orientadas posteriormente para uma consulta de planeamento familiar", reiterou o ministro.
Pizarro acaba ainda por admitir que o problema se mantém: "Tem de ser corrigido, está a ser corrigido, mas não pode negar o esforço do SNS para dar resposta a esse ímpeto de reconhecimento do direito das mulheres."
Mas, afinal, o que alegou o ministro em fevereiro e o que determinou o relatório da ERS?
No dia 16 de fevereiro de 2023, em resposta ao pedido do BE de uma auditoria às unidades do SNS, Pizarro assegurava que o problema seria resolvido rapidamente não havendo necessidade de relatórios, auditorias ou "coisas que atrasam a resolução dos problemas".
"A solução que pretendo implementar, não passa pela criação de grupos de trabalho, relatórios, auditorias, coisas que atrasam a resolução do problema que, do meu ponto de vista tem de ser expeditamente resolvido. Temos de apurar os sítios que são pontuais onde há falhas e em cada um desses sítios tomar medidas para que as falhas se corrijam. Não vislumbro que seja necessário fazer uma grande reflexão ou um grande estudo sobre essa matéria. É algo do foro da intervenção prática", esclarecia à margem da cerimónia de apresentação da nova identidade do Centro Hospitalar Universitário de Santo António, no Porto.
O espaço temporal indicado para a resolução seriam "meia dúzia de semanas". Será que o relatório da ERS o desmente?
O estudo desenvolvido pela ERS, e publicado no dia 13 de setembro, "com o objetivo de averiguar a eventual existência de obstáculos ao acesso à IVG", conclui que, dos 44 hospitais acreditados para realizar IVG, só "existiam 29 entidades do setor hospitalar a realizar IVG em Portugal Continental – 27 oficiais e duas oficialmente reconhecidas –, com a maioria dos estabelecimentos a localizarem-se nas regiões de saúde do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo".
Destaca-se ainda que "15 entidades hospitalares oficiais não realizavam procedimento de IVG e destas entidades 13 tinham instituído procedimentos capazes de garantir a realização atempada".
A nível dos dos Cuidados de Saúde Primários (CSP), "dos 55 Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) existentes, nenhum realizava o procedimento de IVG e cinco realizavam consultas prévias".
O mesmo estudo revela que "em muitos casos não foi possível identificar o motivo associado à diferença entre o número de consultas prévias e IVG realizadas, uma vez que os registos administrativos nem sempre permitem quantificar estes dados, tendo sido apuradas 1.366 situações em que o procedimento não foi realizado por ter sido ultrapassado o prazo legalmente estabelecido".
Ou seja, a análise da ERS, de facto, aponta falhas no acesso à IVG, porém estes dados são até ao "final de fevereiro de 2023". Tendo em conta que Pizarro apontou como prazo de resolução dos problemas "meia dúzia de semanas", não se pode afirmar devido à cronologia dos factos que o estudo da ERS desmonte a narrativa do ministro da saúde.
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Avaliação do Polígrafo:
