“Nunca mais comprei baterias depois deste conselho. Um segredo que os veteranos costumavam usar”, começa por se dizer num vídeo de cerca de três minutos que promete ensinar um truque para recuperar pilhas velhas.
O vídeo, publicado no Facebook, tornou-se absolutamente viral com milhares de reações, centenas de comentários e mais de um milhão de reproduções, mas também com algumas advertências para a segurança daquele processo, motivando assim pedidos de verificação de factos.
“Todas estas pilhas estão gastas“, alega-se enquanto são exibidas várias baterias de diferentes fabricantes. De seguida, para provar que estão efetivamente gastas, colocam-se duas numa balança portátil e mostra-se como esta não liga. Apesar de não serem “recarregáveis”, o narrador do vídeo indica que “é possível continuar a usá-las mesmo depois de gastas”.
O truque é colocá-las em água a ferver durante apenas um minuto, retirando-as depois para um recipiente de água fria com cubos de gelo para acelerar o processo de arrefecimento. “Depois de frias, secá-las bem, sem deixar nenhum resíduo de água”, explica o narrador. E, após o processo, as pilhas estão prontas a serem inseridas novamente na balanças mas, desta vez, a funcionarem.
Este truque funciona mesmo?
As dúvidas saltam logo aqui à vista ainda antes de uma análise mais profunda aos pressupostos que poderiam justificar semelhante tese. É que num primeiro momento – para provar que não funcionam – as baterias são inseridas com os pólos positivos virados para baixo, já no final do vídeo estão com os pólos positivos virados para cima. Ou seja, o facto de não funcionarem no início do vídeo poderia dever-se ao facto de estarem mal colocadas.
Mas, excluindo esta questão, colocar pilhas velhas em água a ferver não as “recarrega” como quer fazer crer o vídeo em questão, além de existirem riscos associados à prática.
A Polígrafo, Helena Braga, investigadora e professora da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), explica que “as baterias primárias (não recarregáveis) não são todas iguais e não se distinguem pelo preço, mas pelos materiais dos elétrodos e eletrólito e pela reação que se dá nos elétrodos”, logo, “não pode haver uma receita universal“.
“As baterias de Níquel cádmio podem funcionar até aos 45-60ºC mas as de iao-Li não devem funcionar acima dos 45ºC”, ou seja, adverte Helena Braga “mesmo por um minuto não se deve pôr a bateria a 100ºC”.
Ora, o processo que é exibido no vídeo “chama-se um arrefecimento rápido para conseguir que um composto que se formou aos 100ºC ainda esteja presente a temperatura ambiente depois de arrefecer rapidamente”.
O que acontece quando se faz o que é mostrado no vídeo é que “com o calor, alguns produtos espúrios acumulados nas interfaces dos elétrodos com o eletrólito são libertados”, permitindo que a bateria possa voltar a funcionar, “no entanto, não funcionará para sempre“. Este “extra” que se pode conseguir – e que será de apenas alguns minutos – é explicado pela especialista pelo facto de “uma bateria tradicional ter uma capacidade máxima que não é excedida” e, assim, “pode-se fazer descarregar até próximo do valor teórica (ideal)”.
Mas Helena Braga deixa o alerta para os “grandes perigos associados a este método”. O porquê de ser um risco: “As baterias podem babar substâncias ácidas ou alcalinas, ambas muito perigosas e as baterias de ião-Li podem explodir se estiverem degradadas internamente com formação de curto circuitos e libertação de oxigénio. Conclusão: parece-me uma má ideia usar este método que pode trazer problemas graves à segurança da bateria e de quem a manuseia.”
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Avaliação do Polígrafo: