Em debate na RTP3, na última terça-feira, o líder parlamentar do Chega contrariou as mais recentes notícias que dão conta que os dois agentes da PSP envolvidos na morte de Odair Moniz não foram ameaçados diretamente pela vítima com uma arma branca, segundo declarações prestadas pelos próprios.
Pedro Pinto recusou a ideia de que os polícias não foram ameaçados e reforçou a alegação de que Odair Moniz estava armado, apesar de já ter sido noticiado que a arma branca que tem sido referida estaria dentro de uma bolsa (encontrada mais tarde) e não nas mãos da vítima.
Questionado sobre se o agente da PSP não poderia imobilizar um cidadão “nestas circunstâncias sem o matar”, o líder parlamentar do Chega afirmou não acreditar que haja “um agente que tenha disparado a matar” até porque, disse, “se disparassem a matar, o país estava mais na ordem”. Reforçou ainda a sua posição com “aquilo que os polícias sofrem na pele todos os anos”.
“São milhares os polícias agredidos todos os anos, mais de dois mil polícias são agredidos por ano. São as estatísticas que o dizem, não somos nós que dizemos”, garantiu Pedro Pinto.
Tem razão?
O Polígrafo fez um levantamento do número de feridos (só em 2023 são especificados o número de agredidos) das forças de segurança em consequência da atividade operacional, que constam nos Relatórios Anuais de Segurança Interna (RASI), entre 2000 e 2023.
Verificou-se que em nenhum dos últimos 23 anos se superou o registo de dois mil feridos. Os anos que registaram números mais elevados foram 2005 (1.823 feridos e quatro mortos) e 2023 (1.381 feridos). Em valores médios são 916 vítimas por ano, um número que sobe para 918 se se contabilizarem as mortes neste período.
Em fevereiro de 2024, os oficiais da PSP alertavam em carta aberta para “o colapso” da polícia. Numa carta aberta intitulada a “Segurança é o ‘petróleo’ de Portugal”, o Sindicato Nacional dos Oficiais da Polícia (SNOP) denunciou a baixa atratividade da carreira policial, a falta de efetivo e uma polícia envelhecida, mas também abordou os números relativos aos polícias agredidos por ano. Segundo o SNOP, foram agredidos em média anualmente 901 polícias entre 2000 e 2022.
Este ano, entre janeiro e agosto, já se somavam 1.295 agentes da PSP e militares da GNR agredidos em serviço, segundo revelou, no dia 15 de outubro, a ministra da Administração Interna. Ainda que o número seja elevado, não se aproxima dos “mais de dois mil” apontados pelo líder parlamentar do Chega.
O Polígrafo questionou o partido sobre qual a fonte utilizada por Pedro Pinto. Em resposta, foi remetida uma notícia, publicada em 2022 no “Jornal de Notícias” (atualmente esta não está disponível no site, mas outros jornais, como o “Expresso” ou “Observador“, replicaram-na citando a fonte original), em que se relata que seis polícias por dia eram vítimas de agressão.
Para chegar aos “mais de dois mil polícias”, o líder parlamentar terá multiplicado os seis polícias pelos 365 dias do ano, resultando num total de 2.190 polícias agredidos em 2022. No entanto, o RASI de 2022 aponta para 1.042 feridos e uma vítima mortal. Tendo em conta o número de polícias agredidos até agosto, o Chega considera que o país caminha para números semelhantes ou até superiores até ao final do ano.
Perante a aparente contradição nestes dados, o Polígrafo contactou a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP) e a Associação dos Profissionais da Guarda (APG). A primeira referiu não ter “esses números com rigor”. Já a segunda remeteu para os números que constam nos RASI.
“Os únicos números oficiais que existem constam do Relatório Anual de Segurança Interna, não existindo outras fontes oficiais que permitam quantificar as agressões”, aponta a APG. Esta refere ainda que, “em boa verdade”, apenas o RASI de 2023 “refere o número de feridos (com internamento e sem internamento) cuja causa foi agressão, sendo que todos os anteriores não especificam o motivo dos ferimentos”.
Já Bruno Pereira, presidente do SNOP, explicou esta diferença de números ao Polígrafo apontando que “o RASI não traduz, nem consegue traduzir, o número exato das agressões contra polícias, porque resultam da combinação de dois crimes”.
Esses crimes são o crime de resistência e coação, que “normalmente é vertido nas estatísticas da Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ)”, e as ofensas à integridade física qualificada.
“A questão é que o crime de ofensas à integridade física qualificadas pode ser preenchido não só para agressões a polícias como a outras pessoas, outra tipologia de pessoas, por isso, torna-se difícil a sua contabilização”, detalha Bruno Pereira. Por isso, justifica, é que o número de polícias feridos que consta nos RASI “fica aquém do número real de agressões”.
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Avaliação do Polígrafo: