Um rol de “elogios” atribuídos a Pedro Nuno Santos (ambicioso, grisalho, jovem e carismático) foi quanto bastasse para que o socialista respondesse à letra ao deputado Paulo Moniz, na audição de ontem na CPI à TAP: “É melhor não comentar a primeira parte da sua intervenção. Diz mais sobre si do que sobre mim.”
Para mais, o social-democrata quis falar sobre os supostos 3,8 mil milhões que o Estado terá alegadamente injectado na CP, mas Pedro Nuno corrigiu o deputado: a CP “não recebeu injeção nenhuma” e o valor em causa refere-se à “dívida gigantesca que pode chegar aos 3 mil milhões de euros”. Assim, continuo o ex-ministro, “uma injeção nunca esteve em causa, a dívida é ao Estado, à DGTF, trata-se de o Estado assumir a dívida, é uma operação contabilística”.
A afirmação provocou burburinho na sala e algum espanto por parte de Paulo Moniz, mas Pedro Nuno Santos insistiu: não houve injeção de tal valor. Será possível? Vamos às contas.
Se tivermos como referência o primeiro ano completo de governação de António Costa, 2016, verificamos que, desde então e até 2019, na primeira legislatura, o Estado procedeu a dezassete operações de reforço de capital, num total de cerca de 1,8 mil milhões de euros. Este levantamento foi feito pelo jornal “Observador“, em outubro de 2019, a partir de dados oficiais fornecidos pela própria CP, numa semana em que tinha sido anunciado mais um reforço de 500 milhões de euros à empresa ferroviária.

“Na legislatura que agora acabou, os reforços de capital na CP totalizam cerca de 1.800 milhões de euros, contudo só cerca de metade deste valor, 900 milhões de euros, é que correspondeu a reforços em numerário, ou seja, entradas de dinheiro por parte do acionista. O resto dos reforços de capital foi feito através da conversão de créditos — empréstimos concedidos no passado pelo próprio Estado — em capital social”, escreveu o jornal à data.
Depois de 2019, a CP só volta a receber a dotação de capital prevista de 1.815 milhões de euros inscrita na proposta de Orçamento de Estado (OE) para 2022 e que subiu para 1.899 milhões de euros este ano, em que poderá ser efetivamente executada. Mas é também em 2019 que há um ponto de viragem: a empresa passa a ter um contrato de serviço público com o Estado português.
O Polígrafo falou com o ex-ministro das Infraestruturas, que reafirma as suas declarações e lembra que o Estado está a sanar a dívida da CP à DGTF, criada quando o Estado não compensava a empresa pelo prejuízo obtido (antes de 2019). Apesar de assumir que possa ter havido pequenas e pouco significativas injeções na CP, o facto é que Pedro Nuno Santos garante que o valor destacado por Paulo Moniz está longe de corresponder à totalidade destas injeções.

Em resposta ao Polígrafo, a CP confirma as afirmações do ex-ministro: “De facto, desde julho de 2019, altura em que a administração liderada pelo engenheiro Nuno Freitas tomou posse, até ao presente momento, não houve qualquer injeção de capital na CP por parte do Estado.”
“Na sequência da integração da CP no perímetro de consolidação do Orçamento de Estado em 2015, a empresa deixou de recorrer a financiamento junto das instituições de crédito. Desde então, as suas necessidades de financiamento têm sido supridas por empréstimos do Estado Português, conforme estipulado na legislação em vigor para as Entidades Públicas Reclassificadas (EPR)”, explica a empresa.
“No período de 2015 a 2019, foram realizados diversos reforços do capital estatutário e atribuídas dotações para cobertura de prejuízos. Estas medidas destinaram-se a suprir as necessidades decorrentes do serviço da dívida histórica (amortizações, juros e outros encargos) e dos investimentos realizados”, continua. De resto, a 31 de dezembro de 2019, “a dívida da CP ascendia ainda a cerca de 2,1 mil milhões de euros”.

Foi também nessa altura que foi noticiado que a dívida histórica da CP seria finalmente saneada (com a última injeção prevista no OE23). “Contudo, aguarda-se ainda uma decisão do Estado sobre o saneamento financeiro da dívida histórica”, adianta a CP.
Contas feitas, e se esta última injeção se efetiva ainda este ano, estamos perante um total de 3.699 milhões de euros, da qual pelo menos 900 milhões de euros representam injeção de capital por parte do acionista (anteriores a 2019). De resto, outros apoios de que a CP tem vindo a beneficiar por parte do Estado estão destacados na Resolução do Conselho de Ministros 43/2020, de 12 de junho, na qual o Governo “autoriza as compensações financeiras decorrentes do contrato de prestação de serviço público celebrado entre o Estado e a CP“.
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Avaliação do Polígrafo: