“O homem que foi responsável pela Habitação em Portugal disse que daqui a 33 dias vamos ultrapassar a Alemanha em termos de ‘habitação digna'”, ironiza-se num tweet de 29 de novembro, mostrando um breve clip de vídeo em que Pedro Nuno Santos aparece a dizer que “o nosso objetivo é chegar a 2024 sem nenhuma família a viver em situação [de habitação] indigna“.
A declaração do ex-ministro das Infraestruturas e da Habitação e atual candidato à liderança do PS é apresentada na publicação em contraponto a uma recente notícia que parece comprovar que o objetivo não terá sido entretanto alcançado. “Taxa de risco de pobreza em Portugal subiu para 17%. Lisboa teve o maior aumento”, destaca-se no título dessa notícia.
“Em 2022, havia mais 81 mil pessoas a viverem com menos de 591 euros mensais. A pobreza ou exclusão social ameaça agora 2,1 milhões de portugueses. Especialistas admitem agravamento da pobreza urbana”, sublinha-se.
É verdade que Pedro Nuno Santos disse em 2019 que “o nosso objetivo é chegar a 2024 sem nenhuma família a viver em situação [de habitação] indigna”? E, se sim, em que contexto?
Através de ferramentas de pesquisa de imagens encontra-se a origem do clip de vídeo: foi retirado de uma entrevista que Pedro Nuno Santos concedeu ao podcast “Todos Perguntam”, promovido pelo PS, emitida em direto a 30 de setembro de 2019.
Ou seja, cerca de uma semana antes eleições legislativas desse ano. E já na parte final da entrevista foi colocada ao então ministro das Infraestruturas e da Habitação a seguinte pergunta:
“No final da próxima legislatura, no Portugal de 2023, qual seria a maior meta para alcançar, nomeadamente em políticas de Habitação e de Mobilidade? E o que é que se pode fazer – mais e melhor – para alcançar essa meta?”
“Na Habitação há desde logo um objetivo que foi definido pelo senhor primeiro-ministro e que é muito importante. O senhor primeiro-ministro disse que nos 50 anos do ’25 de Abril’, até 2024, nós temos que ter o problema da habitação indigna, portanto, as condições exigidas para ser considerada uma habitação com dignidade, estejam resolvidas. Que não haja um português a viver em situação de indignidade, em termos de habitação, numa situação indigna nos 50 anos do ’25 de Abril'”, começou por responder Pedro Nuno Santos.
“Estamos muito empenhados nisso. O programa ‘1.º Direito’ tem como objetivo dar resposta, estão neste momento identificadas 26 mil famílias, podem nestes próximos anos serem identificadas mais pelas nossas autarquias, mas o nosso objetivo é chegar a 2024 sem nenhuma família a viver em situação indigna. Isso é um grande objetivo, difícil de concretizar, mas para o qual nós estamos fortemente empenhados”, prometeu.
Aliás, o primeiro-ministro António Costa já tinha feito essa promessa em 2018. “A meta é podermos chegar a 2024, quando, daqui a seis anos, comemorarmos os ’50 anos do 25 de Abril’, podendo dizer que eliminámos todas as situações de carência habitacional e que, 50 anos depois de Abril garantimos a todas e a todos os portugueses o direito a uma habitação adequada“, afirmou Costa, no final da sessão de apresentação de um novo pacote legislativo do Governo, intitulado como “Nova Geração de Políticas de Habitação”.
Em setembro deste ano, o Polígrafo verificou se tal promessa estava a ser cumprida. Nesse sentido apurou-se que no Programa de Governo de 2019, a medida que em 2017 garantia a erradicação de todas as carências habitacionais até ao 50.º aniversário do “25 de Abril” passou a funcionar apenas como analgésico para a crise habitacional. Afinal, Costa já só conseguiria “erradicar as principais carências habitacionais identificadas no Levantamento Nacional de Necessidades de Realojamento Habitacional de 2018”. A data limite manteve-se.
É nas “principais carências habitacionais” que estão as cerca de 26 famílias a quem Costa prometeu uma casa. No âmbito do PRR, o Governo conseguiu um financiamento substancial, de 2.700 milhões de euros, “para aumentar a oferta pública de habitação”. Até ao momento (setembro de 2023), dos 26 mil fogos que deveriam ser entregues até abril do próximo ano, apenas 1.400 estão concluídos. Costa faz, porém, outros cálculos.
Na sessão de abertura da “Academia Socialista”, em Évora, o primeiro-ministro acalmou a oposição: “Neste momento, entre casas em projeto, casas em obra, em concurso ou já concluídas, 17 mil das 26 mil já estão a andar e a entrar no terreno.” A estimativa é positiva, mas não contraria os dados da ministra da Habitação sobre os fogos entregues. O calendário deverá estender-se além de 2024, como reconheceu Costa no seu discurso: “É verdade, as 26 mil casas não estão prontas. Mas há uma coisa que posso garantir: se nós não tivéssemos começado, elas nunca estariam prontas.”
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Avaliação do Polígrafo: