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Pedro Nuno Santos afirmou há dois anos que a TAP estaria em condições de pagar o “empréstimo” do Estado em 2025? (Atualizado)

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Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Agora é oficial: a TAP não vai devolver os 3,2 mil milhões de euros que o Estado, através do plano de reestruturação, injetou na companhia aérea. O "empréstimo", cuja derradeira transferência foi efetuada este ano, será mesmo a fundo perdido. Mas o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, não tinha dito em 2020 que a TAP iria começar a pagar de volta esse auxílio estatal em 2025? O Polígrafo confere.

A confirmação surgiu na quarta-feira, dia 2 de novembro, quando a Administração da TAP assumiu que não vai devolver os 3,2 mil milhões de euros que o Estado português tinha emprestado à companhia aérea no âmbito do plano de reestruturação aprovado por Bruxelas em 2021.

Empréstimo ou injeção de capital? Gonçalo Pires, diretor financeiro da empresa, defende que o plano de reestruturação não envolve dívida, pelo que a devolução do montante cedido pelo Estado não está sequer prevista no documento assinado entre a TAP e a Comissão Europeia.

Nesse sentido, o Polígrafo analisou os documentos oficiais.

De acordo com a Comissão Europeia, o financiamento da reestruturação da TAP através dos 3,2 mil milhões de euros incluía o “empréstimo de resgate de 1,2 mil milhões de euros, a ser convertido em capital próprio”. Bruxelas apontou ainda, à data, que “ao abrigo da medida de compensação, o auxílio assumirá a forma de (i) uma injeção de capital; ou (ii) um empréstimo que pode ser convertido em capital. A escolha entre estas formas de apoio caberá ao Governo português”.

A última tranche da ajuda do Estado vai ser transferida até dezembro de 2022 e ascende a 990 milhões de euros (montante que está inscrito no Orçamento do Estado para 2022), mas o Estado também já não vai reaver esse dinheiro.

Contudo, na perspetiva do ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, a TAP “está a pagar aos portugueses desde o primeiro dia em que foi salva. Em passageiros, nas exportações, nas compras que faz, no apoio que dá ao turismo do país”.

Publicação no Twitter apresenta vídeo que mostra habitáculo bastante degradado de uma viatura e garante que este pertence às equipas de manutenção da TAP. Poucos dias depois de se saber que esteve programado o aluguer de quase oito dezenas de automóveis de marca BMW para as chefias. A filmagem é autêntica e atual?

Recuemos até dezembro de 2020, quando o ministro das Infraestruturas e da Habitação marcava presença numa conferência de imprensa sobre a TAP: nessa altura, Santos garantia: “Em 2025, a TAP já estará em condições de devolver algum do dinheiro ao Estado português.”

Por seu lado, Miguel Cruz, o secretário de Estado do Tesouro, que também estava presente na conferência de imprensa, foi mais contido: “Não podemos perder de vista que o plano tem como objetivo a sustentabilidade da TAP a médio prazo. A companhia tem de atravessar este período de recuperação e ser sustentável.”

“Temos de ter a noção que quando olhamos para o setor, qualquer coisa como 220 mil milhões de dólares foram acrescidos à dívida das companhias aéreas. Vamos ter de dar atenção à reestruturação do balanço. Em 2025, a procura estará muito próxima do que foi fechado em 2019. Estamos a falar de estar acima dos 3 mil milhões de euros de receitas da TAP em 2025. Isso significa que o equilíbrio operacional será entre 2023 e 2024. Isso é um tema importante para a reestruturação e para a posição da TAP perante os mercados”, afirmou Cruz.

“Só em 2025 é que conseguimos ter uma situação que permita à TAP gerar os recursos necessários para a operação e começar, marginalmente, a reembolsar o empréstimo“, sinalizou. Mas cerca de dois anos depois, a principal e única forma de o Estado poder reaver o dinheiro que injetou na companhia aérea seria através da venda da participação no capital, ou seja, da reprivatização da TAP.

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Nota Editorial 1: Na sequência da publicação deste artigo, o Ministério das Infra-estruturas e da Habitação remeteu ao Polígrafo um Direito de Resposta, que passamos a transcrever:

“Nos termos do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo24.º e no artigo25.º e da Lei n.º 2/99, de 13 de janeiro, na sua redação atual, vem o ministério das Infraestruturas e da Habitação reclamar a publicação do direito de resposta no decurso da notícia do Polígrafo, do dia 7 de novembro, pelas  21:05, publicada no seguinte link: https://poligrafo.sapo.pt/fact-check/pedro-nuno-santos-afirmou-ha-dois-anos-que-a-tap-estaria-em-condicoes-de-pagar-o-emprestimo-do-estado-em-2025.

É verdade que em dezembro de 2020, o ministro Pedro Nuno Santos disse que a TAP estaria em 2025 em condições de começar a devolver dinheiro ao Estado. Mas nunca foi dito – ao contrário do que insinua o Polígrafo – que essa devolução seria feita sob a forma de pagamento desse empréstimo ao Estado. Nem podia, aliás, assim ser dito, uma vez que o compromisso assumido pelo Estado português com a Comissão Europeia foi sempre o de que esse empréstimo seria convertido em capital da empresa assim que o Plano de Restruturação fosse aprovado, o que aconteceu, sendo hoje a TAP 100% pública.

Quando se injeta capital desta forma está-se a investir em capital da empresa. É diferente de uma ajuda de Estado com dívida em que há maturidade e a tal devolução do empréstimo. Nunca foi esse o compromisso para a TAP.

Quando o ministro das Infraestruturas e da Habitação disse que a TAP estaria em condições de começar a devolver dinheiro em 2025, foi porque está previsto no Plano de Restruturação que a TAP comece a dar lucro precisamente em 2025. Nessa altura, a TAP pode devolver dinheiro em dividendos, se essa for a indicação do acionista. E também poderá devolver dinheiro no momento em que houver algum processo de abertura de capital a terceiros, ou seja, uma venda.

A conclusão do Polígrafo é, por isso, errada. Porque o ministro das Infraestruturas e da Habitação nunca disse que a TAP ia devolver o dinheiro do empréstimo concedido. Pede-se, por isso, a retificação da notícia em causa.”

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Nota Editorial 2: Sobre o Direito de Resposta do Ministério de Pedro Nuno Santos, três notas: 1) é o próprio gabinete que confirma que, em dezembro de 2020, o ministro Pedro Nuno Santos disse que a TAP estaria em 2025 em condições de começar a devolver dinheiro ao Estado. Esta, não obstante o conteúdo que lhe possa seguir, é a nossa pergunta de partida e aquela à qual atribuímos um selo de classificação;

2) apesar disso, o ministro defende-se garantindo que o Polígrafo “insinuou” que a devolução seria feita sob a forma de pagamento, o que não é verdade. Sustentado pelos documentos oficiais da Comissão Europeia, o Polígrafo ressalvou logo no terceiro parágrafo do artigo em causa que este “empréstimo” assumiria a forma de uma injeção de capital, podendo ser convertido em capital próprio. Além de dar a devida relevância a estes termos, o Polígrafo voltou a eles no último parágrafo do artigo, ao citar o secretário de Estado do Tesouro Miguel Cruz, e referindo que a “única forma de o Estado poder reaver o dinheiro que injetou na companhia aérea seria através da venda da participação no capital”;

3) A interpretação feita às palavras proferidas pelo ministro Pedro Nuno Santos em 2020 é variável, mas ressalvamos que é o próprio governante quem fala em devolução de dinheiro e não em dividendos, como faz menção no Direito de Resposta. Quando o gabinete afirma que “nessa altura [2025], a TAP pode devolver dinheiro em dividendos, se essa for a indicação do acionista. E também poderá devolver dinheiro no momento em que houver algum processo de abertura de capital a terceiros, ou seja, uma venda”, confirma apenas o que o Polígrafo já tinha deixado claro no último parágrafo do artigo em causa (e aquilo que o ministro não referiu quando fez as declarações em dezembro de 2020).

O Polígrafo mantém, por isso, a classificação inicial deste artigo: verdadeiro.

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Avaliação do Polígrafo:

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