Depois de, na última terça-feira, Donald Trump afirmar, no debate frente a Kamala Harris, que “em Springfield (Ohio), os imigrantes estão a comer os cães e os gatos das pessoas que lá vivem” – e de ter sido desmentido por vários orgãos de comunicação -, foi a vez de Pedro Frazão, deputado do Chega, divulgar cinco “provas” de que “os imigrantes andam mesmo a comer os nossos animais de companhia”. O vídeo também foi publicado no Youtube, mas a plataforma eliminou-o de imediato.
O vice-presidente do Chega alerta para o poder das imagens que transmite ao longo do vídeo, quase todas com origem em fóruns da dark web, por exemplo. Entre os cinco exemplos podemos ver um homem a estrangular um gato, outro a esfolar um animal com recurso a um fogão e ainda um homem a cozinhar um suposto gato na berma de uma rua em Itália. Há ainda uma mulher a ser presa por supostamente ter comido um gato, no Ohio.
A pesquisa reversa por imagens deste género oferece resultados pouco conclusivos: a partilha original foi entretanto apagada (pelo carácter violento do conteúdo) e só é possível encontrar publicações muito recentes com gravações de ecrã do conteúdo original. De qualquer forma, há uma informação que é clara para todos os vídeos partilhados: Pedro Frazão não tem provas conclusivas de que se trata de imigrantes. Além disso, os vídeos foram partilhados em fóruns com a indicação de que se tratam de pessoas migrantes no Haiti, o que já se provou ser falso.
Primeira prova: um imigrante a “assar um gato para comer numa rua em Itália”?
Neste caso, é o contexto que mais importa: este vídeo, cuja partilha original já não está disponível, tornou-se viral em setembro de 2023 quando a ilha italiana de Lampedusa experienciou um influxo de migrantes que chegaram de barco à região. A 17 de setembro desse ano, o número de chegadas ultrapassou as 7 mil, o que provocou uma imensa discussão a nível internacional. E, claro, várias fake news.
Um dos vídeos mais partilhados, filmado no que parece ser uma cidade mediterrânea, mostra um homem a cozinhar um animal numa fogueira em cima de um passeio. Embora seja impossível determinar com total certeza qual é o animal em causa, utilizadores do antigo Twitter alegaram que se tratava de um recém-chegado a Lampedusa que se preparava para comer um gato.
“Uma residente da ilha de Lampedusa estava à procura do seu gato apenas para encontrar um imigrante ilegal africano recém-chegado a cozinha-lo para o jantar do lado de fora da sua casa. O que acontecerá quando a UE dispersar essas pessoas pela Europa?”. A informação é, no entanto, falsa. O vídeo não foi gravado em Lampedusa e também não coincide com a chegada de imigrantes à ilha italiana.
Um artigo publicado pela International Business Times a 2 de julho de 2020 descreve o incidente: “Na manhã de terça-feira, os passageiros da estação Campiglia Marittima, na província de Livorno, Itália, viram um homem a tentar cozinhar um gato morto ao ar livre.”
Assim sendo, o vídeo foi filmado na Toscana e não em Lampedusa e não está, assim, relacionado com a chegada de imigrantes à ilha.
Pedro Frazão deixa ainda um lamento e diz que a polícia devia ter sido chamada imediatamente… mas foi exatamente isso que aconteceu. Aliás, o homem foi preso no local, segundo a mesma fonte, tendo, depois do interrogatório, sido libertado. Segundo o próprio, as ações foram motivadas por fome extrema.
Segunda prova: Desaparecimento de gatos em Portugal
Em junho deste ano, a CNN Portugal divulgava uma investigação sobre o rapto de gatos no Barreiro. Em causa duas centenas de gatos que terão desaparecido das colónias onde eram alimentados. À data, as suspeitas dos denunciantes envolviam lutas ilegais, rituais ou tortura, mas também a utilização de gatos como alimento. Ao Polígrafo, no entanto, a ASAE afirma que até agora não registou quaisquer denúncias nesse sentido.
Já a PSP, contactada pelo Polígrafo, esclarece que o comando distrital de Setúbal abriu um inquérito, que foi comunicado ao Ministério Público, e fez “diligências de investigação”, ou seja, várias testemunhas foram ouvidas. “Todavia, não conseguimos comprovar, confirmar ou infirmar nada do que foi veiculado nas redes sociais e na comunicação social”, acrescenta a mesma fonte.
Mas há mais: recentemente, a PSP teve conhecimento, através da Autoridade Veterinária da zona, de que terá havido vários casos de infecção por panleucopenia nos felinos, o que pode explicar a morte ou desaparecimento dos gatos naquela zona.
Terceira prova: Imagens que mostram os “agentes policiais do Ohio a deter uma imigrante em flagrante delito com um gato morto e ensanguentado nas próprias mãos”
Este é um dos vídeos mais partilhados por apoiantes de Donald Trump e mostra uma mulher encharcada de sangue depois de alegadamente ter matado e comido um gato no Ohio. Alexis Ferrell, de 27 anos, foi presa a 26 de agosto depois de ser vista a praticar estes atos numa rua de um bairro nos arredores de Canton, informou a WHIO. No entanto, Ferrell não é uma imigrante do Haiti e, na realidade, nasceu em Canton, no Ohio, e estudou no liceu do mesmo Estado até 2015.
A alegação já tinha sido proferida, noutras ocasiões, pelo candidato do Partido Republicano, mas não tem qualquer tipo de fundamento. Foi também essa a garantia que um porta-voz da cidade deu ao “PolitiFact”. Segundo essa fonte, não foram recebidas quaisquer queixas que apontem para ocorrências desse tipo.
Quarta prova: Um homem a “estrangular um gato em frente a uma criança”
Nos últimos dias, o vídeo de um homem a estrangular um gato ao lado de uma criança começou a circular no “X” como uma campanha de apoio a Donald Trump. Os “tweets” afirmavam que o homem é do Haiti e que o vídeo foi gravado na República Dominicana. No entanto, a verdade é que tudo aconteceu no continente africano, como mostram partilhas mais antigas do mesmo conteúdo.
Seja no Congo (como indica a primeira partilha a 14 de junho de 2023) ou no Quénia (segunda partilha a 15 de junho de 2023), os primeiros relatos surgem em suaíli, uma das línguas oficiais do Quénia, Ruanda, Tanzânia e Uganda.
É ainda relevante referir que o vídeo agora partilhado por apoiantes do partido republicano corta os 10 segundos finais da gravação original, em que o homem abandona o gato no local e não se alimenta dele.
Quinta prova: Homem a “esfolar um gato com a ajuda de um bico de fogão”
Este último vídeo partilhado por Pedro Frazão não encontra resultados na Internet: a sua origem não é conhecida, o conteúdo já foi eliminado de praticamente todos os fóruns onde tinha sido publicado e não é possível afirmar que seja um imigrante a praticar os atos. Apesar de estar a ser partilhado nos últimos dias, logo depois do debate Trump vs. Harris, como prova de que se tratam de imigrantes em Springfield, Ohio, o que é certo é que as forças de segurança da região esclareceram à Reuters que “não houve quaisquer relatos credíveis ou alegações específicas de animais de estimação que tenham sido agredidos, feridos ou abusados por indivíduos da comunidade imigrante”.
O Polígrafo contactou o deputado do Chega para fazer duas perguntas: qual a fonte dos vídeos e como sabe Pedro Frazão que os seus protagonistas são imigrantes. O deputado recusou responder.
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Avaliação do Polígrafo: