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Pedro Frazão diz que, em Nova Iorque, é possível “abortar um bebé até ao fim da gestação”. Verdade ou mentira?

Internacional
O que está em causa?
Na rede social X, o deputado do Chega chama a atenção para a apreensão, em Nova Iorque, do "esquilo mais famoso do mundo com força policial", que foi depois eutanasiado. Frazão lembra que este é "o estado democrata onde se pode abortar um bebé até ao fim da gestação", concluindo que "não se respeitam os seres vivos".
© Estela Silva/Lusa

Em setembro deste ano, o ex-presidente do CDS-PP, José Ribeiro e Castro, manifestou-se contra a possibilidade de alargamento do prazo da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), alegando que nos EUA “a selvajaria é de tal ordem que se pode realizar um aborto até ao fim da gravidez”. Agora, o deputado Pedro Frazão, do Chega, levantou o tema novamente ao afirmar que Nova Iorque permite abortos até o fim da gestação.

“Não respeitam os seres vivos!”, escreveu o dirigente do partido na rede social X.

Nos EUA, o limite legal varia significativamente de acordo com o Estado (pode ser proibido ou permitido até às seis, 12, 15, 20 ou 24 semanas). Esta diferença deve-se à decisão do Supremo Tribunal dos EUA, em junho de 2022, no caso Dobbs v. Jackson Women’s Health Organization, que anulou o estabelecido por Roe vs. Wade (1973), que garantia o direito constitucional ao aborto mediante a viabilidade do feto.

Na Lei de Saúde Reprodutiva de Nova Iorque define-se como limite máximo as 24 semanas. Após esse período, o aborto só é permitido em casos em que “há ausência de viabilidade fetal” ou em que “o aborto é necessário para proteger a vida ou a saúde do paciente”.

Contactado pelo Polígrafo, Pedro Frazão explica que “às 24 semanas de gestação há taxas de sobrevivência de cerca de 55% dos bebés em neonatologia pelo que, mesmo que o limite fosse só esse, já se estão a abortar bebés viáveis aos milhares”.

“O estado de Nova Iorque permite o aborto até ao fim do tempo, até 37 ou 40 semanas, no caso de perigo para a saúde da mãe. Ora, aqui não está o perigo de vida da mãe, mas sim apenas o perigo para a saúde. Acontece que as clínicas de aborto nesse Estado usam essa prerrogativa e, atestando o perigo para a saúde mental da mãe, praticam o aborto até ao fim do tempo em inúmeros casos”, afirma ao Polígrafo.

Pedro Frazão refere-se ao chamado “aborto tardio” (termo relativo a abortos realizados a partir das 21 semanas), remetendo para uma notícia da CBS News, e alega que as clínicas “utilizam essa falta de objectividade da lei para legitimar essa prática bárbara”.

Consultando os dados do relatório de 2018 do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, verifica-se que a taxa de abortos realizados após as 21 semanas nos EUA é de 1,3% (5.597) e, mais recentemente, no relatório de 2021, essa taxa baixou até para 0,9% (4.070). No caso concreto de Nova Iorque a taxa foi de 2,3% em 2018 e de 2% em 2021, verificando-se uma tendência de decréscimo.

Questionado sobre esses dados, Pedro Frazão afirma ao Polígrafo que “4.070 crianças viáveis mortas no ventre da mãe é um exemplo de Holocausto” (refira-se, no entanto, que, segundo os dados, dentro destes 4.070 abortos há casos de inviabilidade fetal, uma vez que esta é uma das condições para o aborto após as 24 semanas) e acrescenta achar que a tendência de descida desta taxa “não se inverteu porque a mensagem pró-vida está a ganhar terreno nos EUA”.

O deputado afirma ainda que “há inúmeros casos relatados pelas associações pró-vida do Estado”, remetendo para artigos do site “LifeNews“, que se descreve como “uma agência de notícias independente dedicada a reportar notícias que afetam a comunidade pró-vida“, não sendo, por isso, fonte de informação isenta.

Por fim, o deputado conclui: “Excepcional ou não, com condicionantes ou não, estou convicto de que o que escrevi é verdadeiro. Em Nova Iorque, pode abortar-se um bebé até ao fim da gestação.”

Ao Polígrafo, o advogado Paulo Saragoça da Matta já tinha abordado esta temática quando Ribeiro e Castro afirmou que nos EUA se podia “fazer um aborto até ao fim da gravidez”. Na altura, Saragoça da Matta sublinhou que a alegação não era fundamentada uma vez que o limite legal pode chegar às 24 semanas em alguns Estados (poucos), mas só vai além desse período em casos excecionais.

Perante todos os dados recolhidos, considera-se falsa a alegação de que em Nova Iorque se pode – em condições normais – realizar um aborto até ao final da gestação. Estes procedimentos têm como limite máximo as 24 semanas gestacionais e, após este prazo, só podem ser realizados mediante condições específicas e com base no julgamento do profissional que realize o aborto, sendo estes casos raros e excecionais.

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Avaliação do Polígrafo:

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