O primeiro jornal português
de Fact-Checking

Pedro Anastácio: “A legislação europeia permite quotas para imigrantes e existiram em Portugal entre 2003 e 2022”

Política
O que está em causa?
O referendo à imigração, proposto pelo Chega, foi um dos temas em discussão no frente-a-frente desta quarta-feira à noite entre Pedro Anastácio (PS) e Rita Matias (Chega), no canal Now. Quanto à criação de quotas para imigrantes, outra medida defendida pelo Chega, Anastácio sublinhou que "a legislação europeia permite-as e no país existiram entre 2003 e 2022".

“Este referendo chama-se referendo à imigração, mas podia chamar-se repúdio à imigração, através desta ideia das quotas ou de limitações à entrada”: o argumento foi usado por Pedro Anastácio, vereador do PS na Câmara Municipal de Lisboa, no debate desta quarta-feira à noite frente à deputada Rita Matias, do Chega.

Quanto às “condições”, elencadas na terça-feira por André Ventura, para que o seu partido aprove a proposta de Orçamento do Estado para 2025, o ex-deputado do PS asseverou que “o Chega tem utilizado muito os imigrantes porque sabe que uma retórica dura contra a imigração satisfaz aqueles que são os seus propósitos e a sua ambição política”, motivando os seus membros a “continuar a alimentar essas narrativas de que tentam responsabilizar os imigrantes sobre aqueles que são os problemas da nossa vida coletiva”.

Sobre a proposta da criação de quotas para imigrantes, mais concretamente, Pedro Anastácio considerou, no entanto, que “o debate por si só não tem nada de mal”. E explicou o motivo: “A legislação europeia permite-as e no país existiram entre 2003 e 2022.” Confirma-se esta afirmação?

Sim. Uma nota informativa partilhada no site do Parlamento Europeu sobre política de imigração, atualizada em junho deste ano e sustentada nos Artigos 79.º e 80.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, indica que, no que diz respeito à “imigração regular”, a União Europeia “tem autoridade para estabelecer as condições de entrada e de residência legal num Estado-Membro, incluindo para efeitos de reagrupamento familiar, aplicáveis aos nacionais de países terceiros”. No entanto, acrescenta a mesma fonte, os “Estados-Membros mantêm o direito de fixar quotas para a admissão de pessoas de países terceiros que procuram emprego”. 

De facto, no Artigo 79.º do referido tratado, explica-se que a “União desenvolverá uma política comum de imigração destinada a assegurar, em todas as fases, uma gestão eficaz dos fluxos migratórios, um tratamento equitativo dos nacionais de países terceiros que residam legalmente nos Estados-Membros, bem como a prevenção e o reforço das medidas de luta contra a imigração ilegal e o tráfico de seres humanos”.

Para tal, prossegue o mesmo ponto, “o Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, adoptam medidas nos seguintes domínios: 

(a) Condições de entrada e de residência, bem como normas relativas à emissão pelos Estados-Membros de vistos e de autorizações de residência de longa duração, incluindo para efeitos de reagrupamento familiar;

(b) Definição dos direitos dos nacionais de países terceiros que residam legalmente num Estado-Membro, incluindo as condições que regem a liberdade de circulação e de residência noutros Estados-Membros;

(c) Imigração ilegal e residência não autorizada, incluindo o afastamento e o repatriamento de pessoas que residam sem autorização;

(d) Luta contra o tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças.”

Aponta-se ainda que o “Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, podem estabelecer medidas de incentivo e de apoio à ação dos Estados-Membros com vista a promover a integração dos nacionais de países terceiros que residam legalmente no seu território, com exclusão de qualquer harmonização das disposições legislativas e regulamentares dos Estados-Membros”.

Porém, o tratado refere ainda que o “presente artigo não prejudica o direito de os Estados-Membros determinarem os volumes de admissão de nacionais de países terceiros provenientes de países terceiros no seu território para aí procurarem trabalho, assalariado ou não assalariado”. Ou seja, a legislação europeia admite a imposição, por parte dos países que fazem parte do bloco europeu, de quotas para imigrantes.

Sobre se “existiram entre 2003 e 2022” em Portugal, à semelhança do que também disse o vereador do PS, refira-se que foi em 2003 que, pela primeira vez, Portugal definiu um tecto máximo de entrada de imigrantes no país, ou seja, o chamado regime de quotas – que permaneceu em vigor até junho de 2022 e que José Sócrates manteve durante os seus Governos (reduzindo até o contingente máximo), tal como já tinha constatado anteriormente o Polígrafo.

Recordemos a ordem dos acontecimentos. Em 2003, com a promulgação do Decreto-Lei n.º 34/2003, o quadro legal alterou-se e estabeleceu-se pela primeira vez, com Durão Barroso a Primeiro-Ministro, um limite máximo de entradas de imigrantes: 6.500 entradas, que mais tarde seriam afinal 8500.

Com o “intuito de promover a imigração legal”, o Governo PSD/CDS-PP adotou então a “fixação de um limite máximo anual imperativo de entradas em território nacional de cidadãos de Estados terceiros, elaborado plurianualmente”, no qual seriam “definidos critérios económicos e sociais na determinação das necessidades de mão-de-obra e da capacidade de acolhimento de cada região, assegurando a participação das autarquias locais em todo o processo”.

Ora, quando José Sócrates chegou ao Governo, em 2005, herdou esta lei e deu-lhe outro nome, já em 2007, mas sem significativas alterações a este nível: a “Lei dos Estrangeiros” previa, no seu artigo 59.º, que “a concessão de visto para obtenção de autorização de residência para exercício de actividade profissional subordinada” continuasse a depender da “existência de oportunidades de emprego”. Assim, o Conselho de Ministros passaria a aprovar anualmente uma resolução para definir “um contingente global indicativo de oportunidades de emprego”, que seria, em 2009, de apenas 3800.

Este artigo 59.º foi quase completamente revogado já em junho de 2022, quando o Governo de António Costa determinou o fim das quotas num pacote de medidas para a imigração.

____________________________

Avaliação do Polígrafo:

Partilhe este artigo
Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn

Relacionados

Em destaque