“Há muito poucos terrenos para haver construção e nós precisamos que haja mais construção, respeitando as regas ambientais, para que, havendo mais oferta, os preços possam ser reduzidos “. Esta foi a mensagem deixada por Paulo Núncio, deputado do CDS-PP, no canal NOW num debate frente à bloquista Joana Mortágua, em que se discutiu a lei dos solos, tema em destaque devido à polémica que envolve Hernâni Dias, o ex-secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território (primeira baixa do Executivo de Luís Montenegro).
Para o deputado, “a esquerda deixou ao país uma gravíssima crise na habitação” e medidas como a lei dos solos podem ajudar a “combater a especulação imobiliária”. “Apenas 6% do território é constituído por terreno urbanizável”, referiu, considerando necessário “alargar a oferta e permitir que mais terrenos sejam utilizados para construção”.
A questão dos 6% de solo urbanizável não é simples de esclarecer, porque a classificação do solo em Portugal mudou ao longo dos anos e há alguma confusão em relação aos conceitos. Desde a revisão da Lei dos Solos em 2014 (Lei n.º 31/2014), a categoria de ‘solo urbanizável’ deixou de existir formalmente, passando a haver apenas duas classificações: solo urbano e solo rústico.
A percentagem indicada pelo deputado relativa ao terreno urbanizável pode ter origem numa interpretação dos dados da Direção-Geral do Território (DGT). Segundo a Carta de Uso e Ocupação do Solo de 2018, cerca de 5% do território continental é classificado como ‘território artificializado’, que inclui áreas urbanizadas, industriais e infraestruturas.
No entanto, o deputado não teve em consideração um fator importante: se o solo urbano tem alguma construção.
Contactado pelo Polígrafo, o arquiteto Tiago Forjaz Trigueiros nega que existam poucos terrenos para construção e considera o argumento do deputado Paulo Núncio “falacioso”. O especialista destaca a importância de se compreender que “os buracos” que existem no solo urbano, nomeadamente no que diz respeito aos solos não edificados- sem construção.
“Há um excesso de áreas por urbanizar”, disse o arquiteto, remetendo para uma análise que indica que em 2021 mais de 50% do solo urbano era não edificado.
Estes dados constam do Relatório do Estado do Ordenamento do Território de 2024 e foram destacados também num parecer do Conselho Nacional do Ambiente.
O Polígrafo contactou ainda os engenheiros José Carlos Guinote e Pedro Bingre do Amaral, dois especialistas que subscreveram e participaram na redação da carta aberta lançada pela rede H: “Urbanização em solos rústicos: retrocesso de décadas, assente em falsos álibis”.
“A justificação de que a falta de solos urbanos disponíveis existe porque é pequena a parte da área do território nacional que é urbana é completamente falsa. Invocar a falta de falta de solos urbanos é uma manifestação de ignorância”, explicou José Carlos Guinote, considerando que está a ser criado um “problema fictício”.
Pedro Bingre do Amaral, o presidente da Liga para a Protecção da Natureza, considera “um absurdo” dizer-se que a lei dos solos poderá ajudar a combater a “especulação imobiliária”. “O solo existe em quantidade finita e cada localização é diferente da outra. A medida vai contagiar os preços do solo rústico”, apontou.
A lei dos solos, que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, permite a reclassificação de solos rústicos a urbanos. O diploma foi criado com o objetivo de “orientar o planeamento do uso do solo para dar satisfação às prementes necessidades de habitação bem como às atividades económicas, com respeito pela salvaguarda dos recursos naturais”, lê-se no decreto-lei 117/2024, publicado em Diário da República a 30 dezembro.
A medida foi bem recebida por alguns setores do imobiliário e da construção civil, mas levantou preocupações sobre possíveis impactos na especulação imobiliária e na destruição de solos agrícolas.
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Avaliação do Polígrafo: