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“Patriarca cigano de Beja lamenta” que “3.500 euros de RSI” não é suficiente para família de quatro pessoas, destaca-se no Facebook

Sociedade
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Está a ser difundida no Facebook uma imagem que se assemelha a um recorte de jornal. Consiste supostamente numa "Crónica - A Voz do Cigano" e apresenta o seguinte título: "Patriarca cigano de Beja lamenta: '3.500 euros para quatro pessoas já não dá para a gente se governar'". Além de a citação ser apócrifa, o "patriarca" é na realidade Tiago Matos Gomes, ex-presidente do partido Volt, com a face adulterada. Não se deixe enganar por esta "fake news".

“Trabalhadores, os vossos impostos pagam isto. Não digo mais nada”, comenta-se num dos posts em causa, divulgado a 25 de junho num grupo público do Facebook. Na respetiva imagem surge uma denominada “Crónica – A Voz do Cigano” e as palavras atribuídas a um “patriarca cigano de Beja”, o qual terá dito ou escrito que 3.500 euros de Rendimento Social de Inserção (RSI) para quatro pessoas não é suficiente para se “governar”, ou seja, para sustentar a família.

No entanto, a verdade é que nem a fotografia nem a citação são autênticas.

Com recurso à ferramenta de pesquisa reversa de imagens TinEye, o Polígrafo apurou que se trata de uma adulteração a partir de uma fotografia de Tiago Matos Gomes, antigo presidente do partido Volt em Portugal, captada por Nuno Ferreira Santos para o jornal “Público” em março de 2021. As diferenças entre a imagem original e a falsificada são evidentes: a pele foi escurecida e a cara foi bastante aumentada.

Quanto à citação, não há registo público de que um qualquer “patriarca cigano” tenha proferido aquela frase. Também não encontramos tal citação nas crónicas publicadas pela associação de desenvolvimento “Amato Lusitano” (AL-AD), que visam dar voz à comunidade cigana portuguesa.

Ao Polígrafo, a associação explica que “desconhece em absoluto” a publicação e que o projeto Interculturas, com início em setembro de 2019 e fim em dezembro do ano passado, “surgiu da parceria entre a AL-AD e a Câmara Municipal de Castelo Branco que, através de um trabalho conjunto, fomentou a integração e inclusão da comunidade cigana no Município de Castelo Branco”.

O objetivo geral, explica a AL-AD, consistiu na “criação de uma equipa de mediadores interculturais com vista ao reforço da integração das populações mais vulneráveis, designadamente comunidades ciganas, bem como no aprofundamento do diálogo intercultural entre as várias comunidades e a sociedade de acolhimento”. Estas crónicas foram publicadas mensalmente nos jornais locais “Gazeta do Interior” e “Reconquista”, entre 2020 e 2021.

A associação das pessoas de etnia cigana ao RSI continua a motivar sucessivas publicações nas redes sociais. Mas, tal como o Polígrafo já sinalizou noutros artigos de verificação de factos, ao longo dos últimos anos, vários estudos do Instituto da Segurança Social indicaram que apenas entre 3% a 6% dos beneficiários de RSI podem ser inseridos no grupo étnico cigano.

Por exemplo, em 2009, no “Relatório das audições efetuadas sobre portugueses ciganos no âmbito do Ano Europeu para o Diálogo Intercultural” (produzido pela Subcomissão para a Igualdade de Oportunidades e Família, integrada na Comissão Parlamentar de Ética, Sociedade e Cultura), informa-se que as pessoas de etnia cigana “representam cerca de 3,7% do total dos beneficiários da prestação de acordo com informação de dezembro de 2008, do Instituto da Segurança Social”.

De acordo com o mesmo relatório, nessa altura, de um total de 135.428 famílias que beneficiavam de RSI, apenas 5.275 estavam identificadas como sendo de etnia cigana. Ora, o RSI é “um apoio destinado a proteger as pessoas que se encontrem em situação de pobreza extrema, sendo constituído por: uma prestação em dinheiro para assegurar a satisfação das suas necessidades mínimas; e um programa de inserção que integra um contrato (conjunto de ações estabelecido de acordo com as características e condições do agregado familiar do requerente da prestação, visando uma progressiva inserção social, laboral e comunitária dos seus membros”.

Embora seja determinado um valor de referência do RSI, o valor da prestação não é fixo. O apoio mensal resulta da diferença entre o valor do RSI, calculado em função do agregado familiar, e a soma dos seus rendimentos. Ou seja, o valor da prestação depende da composição e dos rendimentos do agregado.

O Polígrafo analisou a Síntese Estatística disponibilizada no portal da Segurança Social. A prestação média de RSI, em maio deste ano, foi de 120,98 euros por beneficiário, mais 0,7% do que no mês anterior e mais 1,9% do que em maio de 2021. No que respeita às famílias, a prestação média de RSI foi de 261,86 euros, registando-se um acréscimo mensal de 0,2% e um decréscimo de 0,1% face ao mês homólogo do ano transato.

De acordo com as tabelas oficiais do Instituto da Segurança Social (ISS), ao longo de 2022 o valor médio processado de prestação de RSI por beneficiário variou entre um mínimo de 119,23 euros em janeiro e um máximo de 120,98 euros em maio. Quanto ao valor médio processado de RSI por família, ao longo de 2022, variou entre um mínimo de 260,91 euros em março e um máximo de 261,86 euros em maio.

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Avaliação do Polígrafo:

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