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Os refugiados “têm direito a RSI” e “apartamento T4 mobilado oferecido” enquanto os portugueses “têm de trabalhar para ganhar dinheiro”?

Sociedade
O que está em causa?
Em publicação no Facebook traça-se um suposto contraste entre os refugiados que "têm direito a Rendimento Social de Inserção [RSI]" e os portugueses que "têm de trabalhar para ganhar dinheiro". É verdade que os cidadãos portugueses não têm acesso a essa prestação social, ao contrário dos refugiados?

De acordo com a publicação em causa, além do acesso exclusivo ao RSI por parte dos refugiados, estes também “têm direito a um T4 mobilado oferecido pelo Estado“, ao passo que os portugueses “se querem ter uma casa têm de pagá-la e, caso falhem uma prestação, o banco fica com ela”.

Mais, enquanto os portugueses “têm de pagar toda a assistência médica”, os refugiados “têm direito a assistência médica gratuita”. Por outro lado, os portugueses “descontam décadas de trabalho para o Estado” e “recebem uma miséria como forma”, enquanto os refugiados “não contribuíram com um cêntimo para o Estado português, mas têm direito a todas as regalias!

Este conteúdo foi denunciado por vários utilizadores do Facebook como sendo fake news. Confirma-se?

No que concerne ao Rendimento Social de Inserção (RSI), trata-se de “um apoio destinado a proteger as pessoas que se encontrem em situação de pobreza extrema, sendo constituído por: uma prestação em dinheiro para assegurar a satisfação das suas necessidades mínimas; e um programa de inserção que integra um contrato (conjunto de ações estabelecido de acordo com as características e condições do agregado familiar do requerente da prestação, visando uma progressiva inserção social, laboral e comunitária dos seus membros”.

Qualquer cidadão português, desde que tenha residência legal em Portugal (entre outras condições de acesso a tal prestação social que estão aqui enumeradas), pode requerer a atribuição de RSI. O mesmo se aplica a cidadãos com estatuto de refugiado, ou seja, também têm de ter residência legal em Portugal.

Relativamente ao alojamento e habitação, na página online do CPR – Conselho Português para os Refugiados encontramos um “Guia de Acolhimento e Integração de Refugiados” no qual não se faz qualquer referência ao propalado “direito a um T4 mobilado oferecido pelo Estado“.

O próprio CPR “dispõe de um Centro de Acolhimento onde os requerentes podem permanecer durante um mês enquanto aguardam a decisão sobre a admissibilidade do pedido”, entre outras formas de apoio e “alojamento transitório” descritas no documento. Mas isso não corresponde, de todo, à “oferta” de habitação permanente.

A título de exemplo, no caso de oito pessoas de nacionalidade marroquina que desembarcaram na praia de Monte Gordo, Algarve, em 2019, “os sete adultos foram colocados num hostel [em Lisboa] que tem protocolo com o Centro Português de Refugiados. O rapaz de 16 anos foi o único que foi afastado do grupo e fica no centro de acolhimento para refugiados menores, na Bela Vista. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) tem agora 90 dias para decidir se dá luz verde ao pedido de proteção internacional”, segundo informou a SIC Notícias na altura.

Importa ressalvar que já se verificaram outras situações, nomeadamente envolvendo refugiados oriundos da Síria, em que foi providenciado alojamento gratuito temporário (e não permanente) em casas de habitação, no âmbito de programas de acolhimento e integração de refugiados, alguns dos quais com a participação de instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e financiamento da União Europeia (UE). Também há casos de apoios providenciados por empresas privadas, entre outras situações extraordinárias.

De acordo com uma notícia do jornal “Público” de 8 de maio de 2019, aliás, “Portugal apenas gastou 11,6 milhões de euros dos mais de 45 milhões de euros de que dispunha em verbas aprovadas pela Comissão Europeia para o programa nacional do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração (FAMI). Assim, e porque o concretizado ficou muito abaixo dos objectivos específicos a cumprir em prazos definidos, o Estado poderá ver anulados montantes já aprovados pela UE para o apoio, acolhimento e integração de imigrantes ou refugiados”.

“Em síntese: a maior parte do que foi executado diz respeito à colocação de refugiados na crise dos migrantes a partir de 2015. E mesmo assim, dos 1.545 refugiados recolocados em Portugal até março de 2018 cerca de metade (mais de 700) abandonou o país“, salienta-se no mesmo artigo. “Isto acontece, lembra o Tribunal de Contas, apesar de as regras estabelecidas em 2014 preverem que este Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração, ‘deverá não só apoiar os esforços dos Estados-membros para proporcionar no seu território proteção internacional aos refugiados mas também apoiar uma solução duradoura para os mesmos, tendo em vista promover a sua integração efetiva‘”.

Quanto à assistência médica, de acordo com a informação disponibilizada pelo CPR, “independentemente de serem portadores de Autorização de Residência (provisória ou não), os requerentes de asilo, apátridas e refugiados têm direito a assistência médica e medicamentosa em condições de igualdade com a população portuguesa. Ou seja, não se verifica o suposto tratamento diferenciado entre os “portugueses” e os “refugiados”, pelo contrário.

Concluindo, a publicação sob análise difunde várias falsidades, reproduzindo desinformação a partir de alegados privilégios dos refugiados em contraste (não confirmado pelos factos apurados) com os cidadãos nacionais.

Este é um tema recorrente na produção de fake news em Portugal (o Polígrafo já analisou vários conteúdos que pode ler aqui, aqui ou aqui, por exemplo) e também em vários outros países da Europa – sobretudo os que, ao contrário de Portugal, acolheram dezenas ou centenas de milhares de refugiados nos últimos anos.

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Avaliação do Polígrafo:

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