“Porque [é que] os enfartes ocorrem com maior frequência no banho? As pessoas não devem começar a molhar a cabeça e os cabelos durante o banho porque essa é uma sequência inversa. Isso faz com que o corpo tente ajustar a sua temperatura muito rapidamente por causa da nossa condição de sangue quente. Ao fazer essa sequência incorreta, o sangue aumenta a sua velocidade para chegar à cabeça mais rapidamente para compensar a diferença de temperatura que pode eventualmente causar rompimento de vasos, capilares, artérias e consequentemente um enfarte“, lê-se no texto que está a ser partilhado desde há anos nas redes sociais.
“A maneira correta de iniciar o banho é molhar os pés, as pernas gradualmente até aos ombros e por último a cabeça“, recomenda-se. “Siga estas instruções e depois complete o seu banho, normalmente é especialmente recomendado para quem é hipertenso, tem colesterol alto e até mesmo as enxaquecas”.
No final aconselha-se também a beber água em determinados “momentos certos” do dia como forma de “evitar acidente vascular cerebral ou ataque cardíaco“. Passamos a transcrever: “Sabia que a água potável no momento certo maximiza a eficácia do corpo humano? Um copo de água após acordar ajuda a ativar os órgãos internos. Um copo de água 30 minutos antes das refeições facilita a digestão. Um copo de água antes de tomar banho ajuda a aliviar a pressão arterial. Um copo de água antes de dormir ajuda a evitar acidente vascular cerebral ou ataque cardíaco.”

Questionado pelo Polígrafo sobre este alerta viral nas redes sociais, Roberto Pinto, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e especialista em Cardiologia, assegura desde logo que a suposta relação entre os ataques cardíacos e o banho “não está comprovada“.
De acordo com a informação disponibilizada na página do “SNS24”, balcão digital do Serviço Nacional de Saúde (SNS), “o enfarte agudo do miocárdio, vulgarmente conhecido como ataque cardíaco, ocorre quando uma das artérias do coração fica obstruída por um coágulo, o que faz com que uma parte do músculo cardíaco deixe de funcionar por falta de oxigénio e nutrientes“.
Quem está mais vulnerável a sofrer um enfarte agudo do miocárdio? Na referida página destacam-se vários “fatores de risco“, a saber: os homens acima dos 50 anos e as mulheres acima dos 60 anos; os diabéticos; os hipertensos; as pessoas com o colesterol alto, particularmente se não estiverem bem controladas; os fumadores; quem já teve um enfarte agudo do miocárdio também está em maior risco de sofrer um novo enfarte agudo do miocárdio, tal como quem tem historial de enfartes na família.
Não há qualquer referência ao banho, ou à forma de tomar banho. Na resposta ao Polígrafo, Roberto Pinto explica que a verdadeira “questão que se coloca tem que ver sobretudo com a resposta do nosso organismo à mudança brusca de temperatura, vulgo ‘choque térmico'”. O cardiologista clarifica que a diferença de temperatura provoca uma reposta de ativação “do nosso sistema nervoso simpático”, o que desencadeia uma reação “do tipo ‘fugir’ ou ‘lutar’ com a libertação de adrenalina e hormonas“.
“Esta reação vai aumentar a pressão arterial e o batimento cardíaco, exigindo mais do coração, o que não resultará em qualquer problema para uma pessoa saudável, mas pode desencadear complicações em pessoas com risco aumentado”, ressalva.
Nesses casos em concreto é aconselhável entrar na água de forma faseada, de modo a reduzir o choque térmico, porque assim “o nosso organismo tem mais tempo para se adaptar, além de permitir mais facilmente obter ajuda em caso de problemas”.
De resto, o banho não é um fator agravante para alguém sofrer um ataque cardíaco, por si só, mas “pode ter consequências mais graves por acontecer dentro de água, pois há o risco de afogamento e dificuldade acrescida em fazer chegar ajuda especializada”, conclui.
Beber água em determinados “momentos certos” do dia?
No que diz respeito às “regras” mencionadas no post sobre as horas adequadas para se beber água, o médico da FMUP informa que “o benefício da ingestão em horários específicos está menos comprovado, pelo que o mais importante é beber água ao longo do dia, de forma faseada, sobretudo antes e durante os períodos de maior calor“.
Também é importante reforçar a ingestão de líquidos, preferencialmente água, durante as refeições, “sobretudo se forem refeições ‘pesadas’, ricas em gordura, que são de evitar ao máximo, pois aumentam mais significativamente a espessura no sangue no período pós-refeição”. Em contrapartida, deve ter-se em conta que as bebidas alcoólicas podem agravar a desidratação, na medida em que aumentam a “perda de líquidos e minerais“, sublinha o cardiologista.
O que pode realmente influir na ocorrência de um enfarte?
Roberto Pinto aponta como fator preocupante, nomeadamente nesta altura do ano, a exposição ao calor excessivo. “Apanhar Sol na praia”, por exemplo, “pode aumentar o risco de complicações cardiovasculares em pessoas de risco“.
Isto acontece porque “as temperaturas mais altas aumentam a espessura do sangue, fazendo subir a pressão arterial e a frequência cardíaca“. Além disso, “a desidratação, fruto da transpiração excessiva, que agrava o problema do aumento da espessura do sangue, que por sua vez eleva o risco de trombose nos vasos sanguíneos e consequente enfarte do miocárdio“, explica.
“Nunca é demais relembrar que as Férias não devem ser um momento de desatenção no controlo dos fatores de risco acima mencionados e que a evicção de excessos e o cumprimento da medicação prescrita são muito importantes”, avisa Roberto Pinto.
Na página do “SNS24”, aliás, informa-se que todos os anos “mais de 10 mil portugueses sofrem um enfarte agudo do miocárdio”.
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Avaliação do Polígrafo: