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Guia da OMS incentiva sexualidade, pornografia e pedofilia infantil?

InternacionalSociedade
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Nas redes sociais está a ser difundida a ideia de que uma orientação da OMS promove "a sexualidade infantil, a pornografia e a pedofilia infantil" e que a "matéria LGBTI da Ideologia do Género" é ministrada nas escolas portuguesas, intoxicando "a cabeças das nossas crianças". Este discurso tem fundamento?

“Organização Mundial de Saúde incentiva a sexualidade infantil, a pornografia e a pedofilia infantil. É a matéria LGBTI da Ideologia do Género, ministrada nas escolas portuguesas na disciplina de Cidadania, que já intoxica a cabeça das nossas crianças, por imposição do ex-ministro da educação socialista”, destaca uma publicação partilhada a 22 de abril no Facebook.

O post divulga um vídeo de seis minutos do youtuber Sérgio Tavares, conhecido por difundir desinformação, em que o mesmo alega que a orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS) promove a visualização de pornografia, a masturbação, a homossexualidade e relações sexuais prematuras. Um recorte de uma notícia da “Revista Oeste” exibido nesse mesmo vídeo destaca ainda a “masturbação na primeira infância” como parte integrante da orientação da OMS.

As alegações têm algum fundamento?

A orientação em causa não é recente, ainda que seja isso que o criador do canal “Sérgio Tavares” dê a entender. Tem sim mais de 10 anos e não incentiva nem a masturbação infantil, nem a pornografia ou a pedofilia. Em causa o documento “Normas para educação sexual na Europa – Uma abordagem para formuladores de políticas, autoridades da educação e da saúde e especialistas”, publicado em 2010 pela OMS em conjunto com o Centro Federal de Educação em Saúde da Alemanha.

A orientação foi criada para ajudar autoridades de saúde e educadores, através de um guia que subdivide que informação e como deve ser apresentada às crianças mediante a faixa etária em que estas se encontrem, num contexto de aumento de taxas de infecções pelo HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis. Tinha também o objetivo de diminuir a gravidez precoce indesejada e a violência sexual contra menores através do conhecimento gerado pela educação apropriada à idade.

Os temas abordados são divididos em segmentos etários, dos zero aos quatro anos (primeiro grupo etário) até à adolescência (sendo o último grupo etário a partir dos 15 anos), e cada faixa etária tem orientações sobre o tipo de educação que deve ser conduzida pelos adultos.

No primeiro grupo etário, no campo da sexualidade, indica-se que é recomendado dar informação sobre o “prazer de tocar no próprio corpo” e é aqui que se aborda a “masturbação na primeira infância”.

Mas isto significa que a orientação incentiva a masturbação infantil? O que é isto de “masturbação na primeira infância”?

Vânia Beliz, psicóloga e sexóloga, esclarece que a orientação da OMS é um “documento técnico e em momento algum apela à prática masturbatória”. Pelo contrário, o documento mostra “as características mais comuns das diferentes etapas de desenvolvimento das crianças de acordo com as diferentes idades” e a masturbação na primeira infância é uma dessas etapas, mas não com a conotação sexual que tem na idade adulta.

“Existe uma altura em que as crianças manifestam curiosidade pelos seus órgãos genitais e lhes tocam e mexem, da mesma forma que antes colocam as mãos na boca”, começa por explicar a especialista, adiantando que tal nada tem a ver com a estimulação adulta.

Vânia Beliz continua: “Os pénis e vulvas das crianças têm terminações nervosas e dão resposta quando elas se tocam, da mesma forma que os bebés têm cócegas nos pés. Nesta fase é algo fisiológico e nada mais. Não precisamos de reprimir as crianças porque é algo que muitas delas experimentam e que lhes provoca boas sensações, por isso repetem. Só mais tarde, na puberdade e adolescência, é que a estimulação nos genitais tem um objetivo de prazer, começando a incluir a fantasia.”

Quanto à chamada “ideologia de género”, Beliz afirma que é muitas das vezes “um obstáculo a qualquer qualquer abordagem na área da educação para a sexualidade”, uma vez que parte destes movimentos que falam da “ideologia de género” têm como “base a religião, que condena há muito a intimidade e muito mais a sua diversidade”.

A psicóloga sublinha que “a educação sexual protege e não incentiva a nada”. Tanto o documento como a educação sexual nas escolas têm como fim a preparação das crianças e adolescentes ao longo da descoberta dos seus próprios corpos de forma informada (e adequada à idade). Não existe nenhum incentivo à sexualidade infantil, pornografia ou pedofilia, nem sequer à masturbação.

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Avaliação do Polígrafo:

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