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Olímpicos 2024. Pugilista Imane Khelif não é um homem e também não é trans. Teoria partilhada por Rita Matias é falsa

Política
O que está em causa?
Imane Khelif, uma mulher de 25 anos nascida na Argélia, ganhou ontem o seu primeiro combate nos Olímpicos de Paris contra a italiana Angela Carini, depois de a última ter desistido ao fim de 46 segundos. Apesar de teorias de teor transfóbico estarem a ser difundidas por Elon Musk, J.K. Rowling ou Rita Matias, os factos falam por si: Khelif não é uma atleta trans e cumpriu todos os critérios do Comité Olímpico Internacional.
© EPA/YAHYA ARHAB

Bastaram três horas para que Rita Matias, deputada do Chega, partilhasse, ontem durante a tarde, na sua conta na rede social X quatro teorias falsas e desinformadas sobre uma atleta olímpica, assegurando que a mesma é um “homem biológico”, um “homem trans”, um “homem que bate em mulheres” e que constitui uma “traição às mulheres”. Depois de Imane Khelif, pugilista argelina de 25 anos, ter competido com a italiana Angela Carini – que desistiu do combate ao fim de uns segundos e uma enxurrada de socos, sentando-se no ringue a chorar ao mesmo tempo que gritava não ser “justo” o que acabara de se passar -, a internet está a classificá-la impiedosamente como um homem. E a pedir “justiça” por uma outra atleta a quem chama, sem olhar aos números (como veremos mais à frente é tudo uma questão de números), mulher.

Imane Khelif é trans?

Não. Imane Khelif é uma mulher cis, ou seja, uma mulher que se identifica com o género que lhe foi designado à nascença (feminino). Desde que nasceu, em 1999, que Khelif foi socializada como mulher. Pratica boxe desde criança, compete desde sempre nas categorias femininas e, sim, a vitória não foi sempre garantida. No Campeonato Mundial de Boxe Feminino em Nova Delhi em 2018, por exemplo, Khelif ficou em 17.º lugar. Nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020, ficou pelos quartos de final. No Campeonato Mundial Feminino de 2022 em Istambul ficou em segundo lugar. Segundo a explicação do porta-voz olímpico Mark Adams, o passaporte de Khelif indica que ela é uma mulher.

Quando começou a polémica?

Em 2022, num evento da Associação Internacional de Boxe (IBA), e depois de vencer um combate contra a pugilista mexicana Brianda Cruz, Khelif foi submetida, pela IBA, a testes genéticos que confirmaram que a atleta não cumpria os critérios de elegibilidade do torneio.

Altos níveis de testosterona comprovam que Khelif é, na verdade, um homem?

Não. As mulheres também produzem testosterona naturalmente, já que esta não é uma hormona exclusiva dos homens. Uma mulher pode ter, inclusive, níveis altos de testosterona, uma condição conhecida como hiperandrogenismo que pode ser provocada pela síndrome do ovário policístico, sem que isso afete o seu sistema reprodutor, algo que Rita Matias considera essencial para definir alguém como mulher. E com que Khelif nasceu.

Grace Huckins, doutoranda em neurociências na Universidade de Stanford, escreveu na Scientific American, em 2021, que “não existe nenhuma evidência de uma relação direta entre os níveis naturais de testosterona e a capacidade atlética em mulheres. Um estudo com atletas de elite suecos não encontrou associação entre a testosterona e o desempenho atlético e um estudo recente com atletas adolescentes na Austrália mostrou uma forte correlação negativa entre os níveis de testosterona nas mulheres e o seu desempenho”.

Ao Facta, Huckins argumentou: “Porque é que a baixa produção de ácido láctico de Michael Phelps (que ajuda a evitar a fadiga muscular) ou a altura incomum do falecido jogador da NBA Manute Bol devem ser recompensadas, enquanto que o nível um pouco mais alto de testosterona numa mulher basta para a desqualificar?”

Khlelif nasceu com os cromossomas XY?

Não existem, até hoje, dados oficiais que comprovem que Khelif tem cromossomas XY, tipicamente masculinos. Na verdade, o boato surgiu quando o presidente da IBA disse a uma agência de notícias que as atletas expulsas da competição tinham cromossomas XY. Nenhum documento o confirma e as declarações de Umar Kremlev são vagas e infundadas.

E se tivesse nascido?

A existência de cromossomas XY não determina por si só que uma pessoa é um “homem”, podendo em alguns casos ser explicada por patologias como a síndrome de Swyer.

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Nota editorial: Artigo atualizado às 13h28 para corrigir a informação de que a IBA conduziu testes genéticos para verificar os níveis de testosterona na atleta. Um comunicado recente da Associação garante que Khelif não foi sujeita a exames de testosterona, mas sim a testes genéticos cujos resultados são confidenciais.

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