O primeiro jornal português
de Fact-Checking

O vídeo que está a agitar as redes sociais: Família com sete filhos recebe mais de 1.200 euros por mês de RSI?

Facebook
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Espalhou-se viralmente pelas redes sociais um vídeo que supostamente mostra "um cidadão africano com sete filhos durante a compra de um automóvel", o qual terá dito que "1.200 euros por mês de RSI é pouco", tendo em conta que "ganha muito mais". É verdade que uma família com sete filhos pode receber mais de 1.200 euros por mês de Rendimento Social de Inserção (RSI)? Verificação de factos.

Cidadão africano com sete filhos durante a compra de um automóvel num stand em Odivelas para a sua família admite que o crescimento da mesma se deve pura e simplesmente à subsídio-dependência do RSI do qual usa para pagar a sua viatura, e quando perguntam quanto ganha diz que ‘1.200 euros por mês de RSI é pouco’ pois ganha muito mais“.

Esta é a mensagem que acompanha uma das múltiplas publicações do vídeo que se tornou viral nas redes sociais ao longo dos últimos dias. O Polígrafo recebeu dezenas de pedidos de verificação da autenticidade do vídeo, remetendo não apenas para a já referida publicação da página “Invictus Portucale” (no Facebook e também no YouTube, acumulando milhares de partilhas e visualizações), mas também para uma “notícia” da página “Diário Luso” (dedicada sobretudo a junk news, mais do que fake news), com o seguinte título: “Cidadão com sete filhos admite ter alto rendimento com RSI português”.

O vídeo em causa não parece ter sido manipulado e a mensagem da página “Invictus Portucale” corresponde – mais ou menos rigorosamente – a afirmações proferidas pela pessoa que foi filmada. Carece porém de contexto e, não sendo possível questionar a pessoa em causa, não sabemos se estaria a falar a sério ou a brincar com um amigo, entre outros possíveis sentidos ou interpretações (ironia, bazófia, provocação, etc.) do diálogo registado no vídeo.

De qualquer modo, a sério ou a brincar, as afirmações estão a ser utilizadas para veicular (através da difusão em massa do vídeo, muito provavelmente sem o consentimento do visado) a ideia de que uma família com sete filhos pode receber mais de 1.200 euros por mês de RSI, pelo que vamos focar a verificação de factos nessa questão concreta.

As condições de acesso ao RSI podem ser conferidas na página da Segurança Social (mais especificamente aqui). Trata-se de “um apoio destinado a proteger as pessoas que se encontrem em situação de pobreza extrema, sendo constituído por: uma prestação em dinheiro para assegurar a satisfação das suas necessidades mínimas; e um programa de inserção que integra um contrato (conjunto de ações estabelecido de acordo com as características e condições do agregado familiar do requerente da prestação, visando uma progressiva inserção social, laboral e comunitária dos seus membros)”.

Embora seja determinado um valor de referência do RSI, o valor da prestação não é fixo. O apoio mensal resulta da diferença entre o valor do RSI, calculado em função do agregado familiar, e a soma dos seus rendimentos. Ou seja, o valor da prestação depende da composição e dos rendimentos do agregado.

O valor da prestação mensal equivale à diferença entre os rendimentos da família e o valor do RSI. Calcula-se o valor do RSI somando: 189,66 euros por titular; 132,76 euros pelos restantes adultos; e 94,83 euros por cada criança ou jovem menor de 18 anos. Para uma família com dois adultos e duas crianças, por exemplo, o valor do RSI será de 512,08 euros (189,66 + 132,76 + 94,83 + 94,83). Se os rendimentos do agregado familiar totalizarem 300 euros mensais, por exemplo, o valor da prestação mensal de RSI será de 212,08 euros (512,08 euros – 300 euros) para todo o agregado familiar.

E uma família com sete filhos? Tratando-se de um casal (189,66 + 132,76 = 322,42) e sete filhos todos menores (94,83 + 94,83 + 94,83 + 94,83 + 94,83 + 94,83 + 94,83 = 663,81), perfaz um valor de RSI de 986,23 euros. Neste caso, o valor da prestação mensal de RSI equivaleria à diferença entre os rendimentos da família e o valor de 986,23 euros. Mesmo que o agregado familiar em causa não tivesse sequer um cêntimo de rendimentos, o valor da prestação mensal de RSI seria de 986,23 euros, significativamente inferior aos “mais de 1.200 euros” que são evocados na publicação em análise.

O valor da prestação mensal equivale à diferença entre os rendimentos da família e o valor do RSI. Calcula-se o valor do RSI somando: 189,66 euros por titular; 132,76 euros pelos restantes adultos; e 94,83 euros por cada criança ou jovem menor de 18 anos.

De acordo com as regras estabelecidas pela Segurança Social, no apuramento do rendimento mensal do agregado familiar são consideradas as seguintes categorias de rendimentos: rendimentos de trabalho dependente; rendimentos de trabalho independente (empresariais e profissionais); rendimentos de capitais; rendimentos prediais; pensões (incluindo as pensões de alimentos ou de prestação atribuída no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores); prestações sociais (todas excepto as prestações por encargos familiares, por deficiência e por dependência); subsídio mensal recebido no exercício de atividades ocupacionais de interesse social relacionadas com programas na área do emprego; subsídios de renda de casa ou outros apoios públicos à habitação, com carácter regular.

Ou seja, o hipotético caso de um agregado familiar constituído por um casal e sete filhos que não apresenta nem um cêntimo de rendimentos indicados nas regras da Segurança Social configura uma situação extraordinária, muito improvável. Ainda assim, de acordo com as regras em vigor, esse agregado familiar não poderia receber mais de 1.200 euros de prestação mensal de RSI, tendo direito a 986,23 euros como rendimento único para os nove elementos, dois adultos e sete crianças.

A publicação em causa difunde assim uma falsidade e constitui mais um exemplo da torrente de desinformação sobre o RSI que circula nas redes sociais, já analisada e denunciada pelo Polígrafo em vários artigos (pode reler aqui e aqui, entre outros exemplos). E na maior parte das publicações, tal como as que acabamos de verificar, dando origem a comentários racistas e xenófobos, ou até de incitamento ao ódio e à violência.

***

Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

Na escala de avaliação do Facebookeste conteúdo é:

Falso: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Na escala de avaliação do Polígrafoeste conteúdo é:

 

Partilhe este artigo
Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn

Relacionados

Com o objetivo de dar aos mais novos as ferramentas necessárias para desmontar a desinformação que prolifera nas redes sociais que mais consomem, o Polígrafo realizou uma palestra sobre o que é "o fact-checking" e deu a conhecer o trabalho de um "fact-checker". A ação para combater a desinformação pretendia empoderar estes alunos de 9.º ano para questionarem os conteúdos que consomem "online". ...
Após as eleições, o líder do Chega tem insistido todos os dias na exigência de um acordo de Governo com o PSD. O mesmo partido que - segundo disse Ventura antes das eleições - não propõe nada para combater a corrupção, é uma "espécie de prostituta política", nunca baixou o IRC, está repleto de "aldrabões" e "burlões" e "parece a ressurreição daqueles que já morreram". Ventura também disse que Montenegro é um "copião" e "não está bem para liderar a direita". Recuando mais no tempo, prometeu até que o Chega "não fará parte de nenhum Governo que não promova a prisão perpétua". ...

Fact checks mais recentes