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O partido Chega necessitou de 66.442 votos para eleger um deputado enquanto ao PS bastaram 17.608 votos?

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Legislativas 2019
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
"[De] quantos votos precisou cada partido para eleger um só deputado?" Esta é a questão central de uma publicação que está a espalhar-se nas redes sociais e segundo a qual, nas eleições legislativas de domingo, o partido Chega necessitou de 66.442 votos para eleger um deputado enquanto ao PS bastaram 17.608 votos. Confirma-se? Verificação de factos.

Segundo a publicação em causa que está a ser partilhada por milhares de pessoas nas redes sociais, “a nossa lei eleitoral é uma patifaria, um logro da nossa ‘democracia’, pois os mais votados elegem cada deputado por uma ninharia!”

Além do Chega e do PS, também o PSD (18.449 votos por cada deputado), o BE (25.920 votos), a CDU (29.919 votos), o CDS-PP (43.289 votos), o Livre (55.656 votos) e o Iniciativa Liberal (65.545 votos) figuram na tabela da publicação que estabelece uma espécie de ranking dos partidos que necessitaram de mais e menos votos para eleger cada deputado à Assembleia da República, nas eleições legislativas realizadas no dia 6 de outubro.

Confirma-se que o partido Chega necessitou de 66.442 votos para eleger um deputado enquanto ao PS bastaram 17.608 votos?

Importa começar por salientar que o sistema eleitoral português baseia-se na aplicação do método de Hondt. Trata-se de “um modelo matemático utilizado para converter votos em mandatos com vista à composição de órgãos de natureza colegial“, informa-se na página da Comissão Nacional de Eleições (CNE). “O sistema de representação proporcional caracteriza-se (…) pelo facto de o número de eleitos por cada candidatura concorrente a uma determinada eleição ser proporcional ao número de eleitores que escolheram votar nessa mesma candidatura. Ora, no âmbito deste sistema existem várias fórmulas ou modelos matemáticos que podem ser utilizados para transformar votos em mandatos a atribuir às candidaturas concorrentes a certa eleição, sendo o método de Hondt um deles”.

“O método de Hondt integra a categoria dos métodos de divisores – por contraposição à categoria dos métodos de maiores restos – pois a operação matemática consiste precisamente na divisão do número total de votos obtidos por cada candidatura por divisores previamente fixados, no caso 1, 2, 3, 4, 5, e assim sucessivamente”, acrescenta-se na mesma nota explicativa. “Algumas das vantagens que são comummente apontadas ao método de Hondt são as seguintes: assegura boa proporcionalidade (relação votos/mandatos); muito simples de aplicar em comparação com outros (com apenas uma operação atribui todos os mandatos); efeitos previsíveis e é o método mais utilizado no mundo (amplamente implementado em inúmeros países democráticos, tais como Holanda, Israel, Espanha, Argentina e Portugal)”.

“Por outro lado, a principal desvantagem que lhe é atribuída pelos seus críticos é o facto de, tendencialmente, favorecer os partidos maiores. No entanto, os seus efeitos dependem de outros elementos determinantes do sistema eleitoral (entre eles os círculos eleitorais quer em termos de dimensão territorial, quer em termos de magnitude, isto é, número de representantes a eleger)”, ressalva-se.

Ora, é verdade que o sistema eleitoral português utiliza um método de conversão de votos em mandatos que tende a favorecer os partidos maiores (sobretudo nos círculos eleitorais mais pequenos ou com menos mandatos a atribuir), mas a publicação em análise simplifica grosseiramente o cálculo inerente ao método de Hondt e, aliás, não faz qualquer referência à divisão dos votos/mandatos no âmbito de círculos eleitorais.

O exercício é tão simples quanto enganador: os números indicados na tabela da publicação resultam da divisão do número total de votos obtidos por cada partido (ao nível nacional) pelo número total de mandatos conquistados nas eleições legislativas.

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Quanto ao PS, por exemplo, no círculo de Bragança obteve 23.215 votos no total e elegeu apenas um deputado. Ou seja, nesse círculo eleitoral necessitou de 23.215 votos para eleger um deputado e não de 17.608 votos, como está indicado na publicação (calculando a média ao nível nacional, como se não existisse uma divisão proporcional por cada círculo eleitoral).

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No que concerne ao partido Chega, por exemplo, obteve 66.468 votos ao nível nacional (de acordo com os resultados oficiais que ainda são parciais, faltando apurar os votos nos círculos da Europa e Fora da Europa) e elegeu um deputado pelo círculo de Lisboa. Ou seja, o mais rigoroso e consentâneo com o sistema eleitoral em vigor será concluir que necessitou de 22.053 votos no círculo de Lisboa para eleger um deputado, ao passo que os restantes votos dispersos pelos outros círculos eleitorais não foram suficientes para eleger deputados nesses círculos.

Quanto ao PS, por exemplo, no círculo de Bragança obteve 23.215 votos no total e elegeu apenas um deputado. Ou seja, nesse círculo eleitoral necessitou de 23.215 votos para eleger um deputado e não de 17.608 votos, como está indicado na publicação (calculando a média ao nível nacional, como se não existisse uma divisão proporcional por cada círculo eleitoral). Mas também poderíamos apresentar aqui exemplos de outros círculos em que o PS necessitou de menos votos para eleger cada deputado.

Concluindo, a publicação em análise não pode ser classificada como falsa, na medida em que, na prática, o Chega obteve 66.468 votos no total nacional e elegeu apenas um deputado. Mas trata-se de uma interpretação simplista dos resultados e que pode induzir em erro. Optamos assim pela classificação intermédia de impreciso, sobretudo por não se fazer qualquer referência ao método de Hondt e à divisão dos votos mediante círculos eleitorais.

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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é:

Misto: as alegações do conteúdo são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou incompleta.

Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é:

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