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O comunista João Ferreira foi “apanhado nos negócios obscuros do PCP” e chamou “porco” a um jornalista? (COM VÍDEO)

Política
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
A página "Direita Pública" baseia-se numa reportagem jornalística da TVI para concluir que João Ferreira está envolvido em "negócios obscuros do PCP" e, quando confrontado com os factos, "chamou o jornalista de 'porco'". A reportagem em causa incide sobre o seu pai, Manuel Ferreira, ex-vice-presidente de uma IPSS. As referidas conclusões são fundamentadas e verdadeiras?

“Eurodeputado comunista João Ferreira apanhado nos negócios obscuros do PCP”, denuncia uma publicação da página “Direita Política”, através de um meme que está a circular nas redes sociais. Alegação que começa logo por ser desmentida no primeiro parágrafo do próprio artigo: “Os camaradas do PCP uma vez mais apanhados na extrema hipocrisia, e o deputado comunista João Ferreira a chamar o jornalista de ‘porco’ ao ser confrontado com os factos de atos praticados pelo seu pai, também ele militante comunista”. Ou seja, estão em causa atos praticados pelo pai de João Ferreira, não pelo próprio João Ferreira que, como tal, não foi “apanhado nos negócios obscuros do PCP”.

Mas o artigo prossegue: “Prédios inteiros pertencentes a uma associação supostamente sem fins lucrativos que tem recebido milhões em subsídios do Estado, e que é gerida maioritariamente por elementos do PCP a despejarem inquilinos idosos e em situação de fragilidade, e a destinarem os prédios para empresas de alojamento local. A fazerem exatamente tudo o que dizem estar contra e que têm tentado proibir a outros”. No final da publicação surge um vídeo do YouTube com a gravação de uma reportagem jornalística da TVI que serviu de base ao artigo.

A reportagem incide sobre Manuel Ferreira, pai de João Ferreira, antigo vice-presidente da Associação Inválidos do Comércio, uma instituição particular de solidariedade social (IPSS) fundada em 1929 e atualmente com uma estrutura de direção “maioritariamente comunista” (isto é, com uma maioria de militantes do PCP entre os respetivos membros), segundo apurou a TVI. “Deu contratos de arrendamento de prédios inteiros a empresas para alojamento local”, revela a mesma reportagem.

Quanto ao pai de João Ferreira, já não exerce a vice-presidência da Associação Inválidos do Comércio, embora seja questionado na reportagem por atos praticados quando ainda estava nesse cargo. Não há qualquer indício de que João Ferreira tenha ligação ou beneficiado desses atos de gestão cuja responsabilidade é atribuída a Manuel Ferreira.

 

Não se trata de uma eventual ilegalidade, na medida em que os prédios são detidos pela referida IPSS que tem o direito de os explorar da forma que entender. O que está em causa é uma aparente contradição (ou hipocrisia) entre as políticas defendidas pelo PCP (contra a especulação imobiliária, contra os despejos de famílias do centro de Lisboa, contra os efeitos da pressão turística sobre os residentes desse mesmo centro urbano, etc.) e a prática concreta de uma IPSS cuja estrutura de direção é “maioritariamente comunista”, embora não tenha qualquer ligação direta ou formal ao PCP. Ressalve-se desde já que a análise política dessa contradição/hipocrisia não entra no perímetro de verificação de factos, dada a componente subjetiva da mesma.

Posto isto, concluir que o “eurodeputado comunista João Ferreira” foi “apanhado nos negócios obscuros do PCP” é um exercício de desinformação. O eurodeputado João Ferreira (o qual acumula as funções de vereador na Câmara Municipal de Lisboa) não tem qualquer ligação ao caso. Mais, não se trata de “negócios obscuros do PCP”, mas de negócios perfeitamente legítimos de uma IPSS que é dirigida por militantes do PCP mas não tem qualquer relação formal com o partido.

O que João Ferreira fez, na verdade, foi citar uma célebre frase do dramaturgo irlandês Bernard Shaw: “Ele dizia que a vida lhe tinha ensinado para nunca lutar com um porco. Em primeiro lugar porque, evidentemente, isso o deixava sujo. E em segundo lugar porque o porco gosta”.

 

Quanto ao pai de João Ferreira, já não exerce a vice-presidência da Associação Inválidos do Comércio, embora seja questionado na reportagem por atos praticados quando ainda estava nesse cargo. Não há qualquer indício de que João Ferreira tenha ligação ou beneficiado desses atos de gestão cuja responsabilidade é atribuída a Manuel Ferreira.

Outra passagem do artigo da “Direita Política” que extrapola, manipula ou deturpa o conteúdo da reportagem da TVI (que levanta questões jornalisticamente relevantes sobre práticas de gestão da IPSS em causa) é quando se indica que João Ferreira chamou “o jornalista de ‘porco’ ao ser confrontado com os factos”. O que João Ferreira fez, na verdade, foi citar uma célebre frase do dramaturgo irlandês Bernard Shaw: “Ele dizia que a vida lhe tinha ensinado para nunca lutar com um porco. Em primeiro lugar porque, evidentemente, isso o deixava sujo. E em segundo lugar porque o porco gosta”.

João Ferreira acrescentou: “Eu acho que o exercício que está a fazer, o deplorável exercício que está a fazer de provocação, de difamação… Eu não vou contribuir para esse exercício que envergonha o jornalismo”. Pelo que também não tem fundamento concluir que o eurodeputado do PCP chamou “o jornalista de ‘porco’”, interpretação demasiado literal de uma aparente metáfora.

Avaliação do Polígrafo:

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