De acordo com a teoria que está a propagar-se no Facebook e demais redes sociais, a "narrativa criada" em torno do dióxido de carbono (CO2) e "respetivas emissões humanas" é uma "farsa". Como assim, uma "farsa"? Porque, assegura-se, "o COnão é poluente. O COé o gás da vida. Sem CO2 não há vida. Com mais COhá mais vida, mais recursos e maior biodiversidade".

Nesse sentido, alega-se que "as emissões humanas representam 0,35% do total de emissões de CO2", algo que é classificado como "insignificante". Mais, o dióxido de carbono "não tem propriedades físicas ou químicas que lhe permitam ter qualquer influência no clima. O Sol, a radiação cósmica, a cobertura de nuvens, os oceanos e os vulcões são os maiores influenciadores do clima". Por isso, conclui-se, "tudo não passa da boa da geopolítica".

Questionados pelo Polígrafo, o investigador do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, José Castanheira, e o investigador do Instituto Dom Luiz da Universidade de Lisboa, Pedro Matos Soares, concordam que o CO2 é um poluente, na medida em que o dióxido de carbono "perturba o ecossistema".

Aprofundando, Soares explica que "um poluente é uma substância que prejudica ou os humanos ou o ambiente", ou seja, “nesta definição lata do que é um poluente, o CO2 encaixa-se perfeitamente, porque o efeito de estufa associado aos gases de estufa, que incluem o CO2, está a prejudicar grandemente o sistema climático, os ecossistemas e as pessoas".

Num segundo plano, os investigadores sublinham que, tal como se afirma na publicação, o dióxido de carbono é essencial para a existência de vida no planeta Terra, nomeadamente através da sua contribuição para criação de um efeito de estufa, mantendo a temperatura do planeta num nível adequado para o desenvolvimento da vida. No entanto, ressalvam que em doses de concentração excessiva, os seus efeitos são prejudiciais ao ambiente.

"Quando o CO2 está numa concentração na atmosfera que corresponde ao equilíbrio atual, temos uma temperatura média global sobre todo o planeta que andará entre os 15 e os 18 graus Celsius. Se nós aumentarmos a concentração de CO2, vamos aumentar o efeito que ele produz atualmente. Ou seja, o planeta irá aquecer mais e a temperatura junto à superfície irá aumentar", esclarece Castanheira.

Numa imagem, o professor de Física do Clima compara o aumento da concentração de CO2 acima do ponto de equilíbrio a dormir com demasiada roupa de cama durante o Verão. "É como estarmos confortáveis a dormir apenas com um lençol no Verão, porque o sistema está em equilíbrio. Se aumentarmos a quantidade de cobertores ou o trocarmos por um edredão mais grosso, ficamos com muito calor. Isto é, o edredão não está a fazer mais do que impedir que o seu calor saia", exemplifica.

"Um crescimento imenso com as atividades humanas"

Quanto à alegação de que as emissões de CO2 provenientes da atividade humana são insignificantes, os investigadores advertem que tal não corresponde à verdade. Nesse âmbito, Soares começa por explicar que "o CO2 é um gás com um tempo de residência na atmosfera muito longo, de décadas até centenas de anos", e que, por isso, "com as nossas atividades e com o acelerar da queima dos combustíveis fósseis todos os anos estamos a emitir mais CO2". Assim sendo, "como esse CO2 reside longo tempo na atmosfera, quer dizer que vamos ter cada vez maiores concentrações de CO2", o que vai "afetar nefastamente a vida, os recursos e a biodiversidade".

O professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa realça que "se nós olharmos para as concentrações de CO2 na atmosfera, vemos um crescimento imenso com as atividades humanas". sobretudo a partir da segunda metade do século XVIII.

“Se analisarmos [as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera] desde a Revolução Industrial, vemos que existe um aumento paulatino. Quando chegamos a meio do século XX, temos um crescimento exponencial das emissões de CO2. É este aumento vertiginoso dos últimos 70 ou 80 anos que tem levado a este acelerar do aquecimento global", destaca.

No que diz respeito à alegação de que "as emissões humanas representam 0,35% do total de emissões de CO2", os cientistas dizem não perceber qual é a origem desta percentagem, nem a que tipo de emissões se refere o autor do texto. No entanto, asseguram que o impacto das atividades humanas nas emissões de CO2 está longe de ser insignificante, tal como provam os números avançados pelo Global Carbon Project (Projeto Global de Carbono) e o consenso científico em torno da influência dos seres humanos no aquecimento global.

"Há claramente uma evidência científica inexorável de que o aumento das concentrações de CO2 é devido às atividades humanas e que este aumento dos gases de estufa, nomeadamente do CO2, está a provocar o aquecimento global", reitera Soares.

Por fim, é também "completamente falso" que o dióxido de carbono não tenha "propriedades físicas ou químicas que lhe permitam ter qualquer influência no clima". O investigador do Instituto Dom Luiz contrapõe que "desde o século XIX" que "se sabe muito bem que o CO2 é um gás com efeito de estufa porque absorve radiação de grande comprimento de onda".

E como é que ocorre esse processo? "Nós recebemos a radiação solar que é de pequeno comprimento de onda. Essa radiação aquece a superfície terrestre. Quando a superfície terrestre emite radiação é sob estes grandes comprimentos de onda. Por sua vez, os gases de estufa, em que se inclui o CO2, absorvem esta radiação e isto provoca o aquecimento do sistema climático. O CO2 absorve a radiação de grande comprimento de onda e faz com que seja retida esta energia na Terra e que não seja emitida para o espaço. Concluindo, o CO2 tem propriedades de absorção da energia de grande comprimento de onda que está associada ao efeito de estufa", responde o investigador.

Em suma, apesar de o CO2 ser um gás essencial à existência de vida na Terra, quando se encontra em concentrações excessivas provoca "efeitos nefastos" para o ecossistema, contribuindo para o aquecimento global. Além disso, a evidência científica mostra ser também falso que as atividades humanas tenham um contributo "insignificante" nas emissões de dióxido de carbono e, por consequência, nas alterações climáticas.

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EMIFUND

Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.

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