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Número de glaciares no mundo permanece igual desde o nascimento de Guterres?

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Sociedade
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Numa publicação que está a circular no Facebook alega-se que existe o mesmo número de glaciares desde que António Guterres, o Secretário-geral das Nações Unidas, nasceu há 72 anos. É mesmo assim?

“Quando António Guterres nasceu existiam 130.000 glaciares. Hoje, passados 72 anos, existem 130.000 glaciares”, garante o meme, publicado no dia 10 de novembro. Outros posts semelhantes circularam online entre o final de outubro e o início de novembro e coincidiram com a 26.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP26).

Um outro meme com uma foto de Al Gore, o antigo vice-presidente dos Estados Unidos, também foi partilhado dezenas de milhares de vezes no Facebook, com um texto semelhante: “No dia em que Al Gore nasceu, havia 130.000 glaciares na Terra. Hoje, restam apenas 130.000.”

As declarações são enganosas, uma vez que as comparações de contagens de glaciares não são um indicador fiável das alterações climáticas. Três especialistas disseram à plataforma de fact-checking da Reuters que os glaciares tendem a dividir-se em vários glaciares mais pequenos quando derretem. Além disso, o número exato de glaciares em 1948, ano em que Al Gore nasceu, não é conhecido. António Guterres nasceu em 1949, por isso aplicam-se as mesmas conclusões.

Ben Marzeion, cientista climático e professor na Universidade de Bremen, aponta que na altura não havia imagens de satélite, logo se “não sabemos quantos glaciares existiam em 1948, não sabemos se existem agora mais ou menos”.

Marzeion fez referência ao inventário do “Glaciar Randolph”, a primeira estimativa de quantos glaciares existem, publicada inicialmente em 2012. Atualmente o relatório enumera cerca de 200 mil glaciares. Contudo, o número real, de acordo com Marzeion, é provavelmente ainda mais elevado devido a questões que incluem a definição de um limite inferior para a dimensão do que constitui um glaciar. Isto tornaria também a contagem dos glaciares um fator “irrelevante” para a compreensão das alterações climáticas.

Romain Hugonnet, assistente de investigação e estudante de doutoramento no Laboratório de Estudos Geofísicos e Oceanográficos Espaciais (LEGOS) da Universidade de Toulouse, explica que um indicador mais preciso da mudança climática seria uma medição da superfície ou do volume dos glaciares. Alguns estudos mostram que ambos têm vindo a diminuir desde os anos 50.

“Sabemos que havia um volume maior de gelo glaciar em 1948 do que hoje”, disse Lauren Vargo, uma investigadora do Centro de Investigação Antártica, da Universidade Victoria de Wellington.
Vargo fez referência a um documento de 2015 do “World Glacier Monitoring Service” (WGMS), que indica que as taxas de perda de massa glaciar são “sem precedentes”, de acordo com observações desde 1850.

Numa publicação no Facebook afirma-se que a monitorização da Gronelândia em 2020/2021 mostrou que o "Balanço de Massa à Superfície" foi superior à média entre 1981 e 2010, embora haja notícias que relatam "eventos de derretimento 'sem precedentes'". É verdade?

Dados do WGMS, que monitoriza mais de 130 glaciares a nível mundial, mostram uma “tendência global de forte perda de gelo nas últimas décadas”, com muitos glaciares a desaparecerem por completo.

“Sabemos que a perda dos glaciares se deve em grande parte às temperaturas mais quentes, que estão a ser impulsionadas pelo aumento dos gases com efeito de estufa”, disse Vargo. Estudos de Marzeion e Vargo sugerem que a perda de glaciares é em grande parte causada pela atividade humana que afeta o sistema climático.

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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é:

Falso: as principais alegações dos conteúdos são factualmente imprecisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Falso” ou “Maioritariamente Falso” nos sites de verificadores de factos.

Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é:

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