“Da série ‘não há almoços grátis’. Novo secretário de Estado fez ajustes diretos de 200 mil euros com sociedade de advogados de Montenegro. Silvério Regalado é o substituto de Hernâni Dias, que se demitiu após criar duas imobiliárias que poderiam beneficiar da lei dos solos. Como autarca em Vagos, o novo secretário de Estado celebrou cinco contratos com a sociedade de advogados do agora Primeiro-Ministro, quando ainda não era presidente do PSD”, destaca-se numa publicação de 13 de fevereiro no Facebook.
Em causa está o novo secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, Silvério Regalado, que foi presidente da Câmara Municipal de Vagos entre 2013 e 2024, até ter renunciado ao cargo para assumir o mandato de deputado do PSD à Assembleia da República. Entretanto foi chamado para o Governo de Luís Montenegro e será um dos seis novos secretários de Estado que tomam posse hoje no Palácio de Belém.
A história dos ajustes diretos foi revelada em primeira mão pelo “Jornal Económico” em março de 2017. Era um dos oito casos identificados numa investigação sobre deputados com mais de 10% do capital de empresas que beneficiaram de adjudicações de entidades públicas. Com base nessa investigação, a Subcomissão de Ética abriu um inquérito para analisar os oitos casos que poderiam configurar situações de impedimento.
Montenegro estava na Assembleia da República desde 2002, era o líder parlamentar do PSD e continuava a exercer advocacia ao mesmo tempo, sendo proprietário de 50% do capital social da Sousa Pinheiro & Montenegro. Entre 2014 e 2017, a firma de Montenegro obteve seis contratos por ajuste direto de entidades públicas: quatro do Município de Espinho (presidido por Joaquim Pinto Moreira, do PSD) e dois do Município de Vagos (presidido por Silvério Regalado, do PSD), perfazendo um valor global de cerca de 188 mil euros.
Confrontado com esses dados pelo “Jornal Económico”, fonte próxima de Montenegro invocou que a Sousa Pinheiro & Montenegro é uma sociedade civil e que a advocacia é uma profissão liberal que não funciona segundo a lógica das atividades de comércio e indústria, pelo que o impedimento previsto no Estatuto dos Deputados não se aplicava ao seu caso.
A Subcomissão de Ética concluiu – apesar dos votos contra de deputados do BE e do PCP – que os casos envolvendo advogados não configuravam “impedimento“, tratando-se de uma profissão liberal que não se integra na atividade de “comércio ou indústria” prevista no Estatuto dos Deputados que estava em vigor (esta regra acabou por ser alterada em 2019).
Até 2019, de acordo com o Artigo 21.º (Impedimentos) era vedado aos deputados “no exercício de atividade de comércio ou indústria, direta ou indiretamente, com o cônjuge não separado de pessoas e bens, por si ou entidade em que detenha participação relevante e designadamente superior a 10% do capital social, celebrar contratos com o Estado e outras pessoas coletivas de direito público, participar em concursos de fornecimento de bens ou serviços, empreitadas ou concessões”.
Mas em que consistia o caso envolvendo Montenegro e Regalado?
Ao mesmo tempo que exerceu os sucessivos mandatos de deputado à Assembleia da República, entre 2002 e 2018, Montenegro prosseguiu a atividade paralela de advogado na firma Sousa Pinheiro & Montenegro, sendo detentor de 50% do respetivo capital social. Entre fevereiro de 2014 e janeiro de 2018, de acordo com os dados registados no portal Base, a firma de Montenegro celebrou 10 contratos por ajuste direto com as câmaras municipais de Espinho (seis) e de Vagos (quatro), ambas lideradas pelo PSD, faturando um valor total de 400 mil euros (média de 100 mil euros por ano).
O “Jornal Económico” voltou a noticiar sobre o tema em abril de 2018, informando então que o contrato mais recente datava de 8 de janeiro de 2018, adjudicado pela Câmara de Espinho, visando a “aquisição de serviços de assessoria e informação jurídicas” por 54 mil euros. Cerca de três semanas antes, no dia 20 de dezembro de 2017, a mesma Câmara de Espinho tinha celebrado outro contrato por ajuste direto com a mesma Sousa Pinheiro & Montenegro, visando “serviços de representação jurídica” por 72 mil euros.
Na semana anterior, a 15 de dezembro de 2017, tinha sido a Câmara de Vagos a contratar a Sousa Pinheiro & Montenegro por ajuste direto, visando a “aquisição de serviços de assessoria jurídica e representação em juízo” por 74.700 euros.
Em 2021 foi celebrado um quinto e último contrato por ajuste direto entre a Câmara de Vagos e a firma Sousa Pinheiro & Montenegro, elevando o valor total (entre 2015 e 2021) para cerca de 209 mil euros. Importa aqui salientar que Montenegro saiu do Parlamento em 2018, renunciando ao mandato, e acabou por vender a sua quota na referida sociedade de advogados em julho de 2022, poucos meses depois de ter sido eleito presidente do PSD.
Recorde-se também que esses autarcas de Espinho – Pinto Moreira – e de Vagos – Silvério Regalado – transitaram depois para a Assembleia da República como deputados do PSD, em 2022 e 2024 respetivamente.
Pinto Moreira foi entretanto apanhado nas malhas da “Operação Vórtex“, acusado de dois crimes de corrupção passiva agravada, um crime de tráfico de influências e um de violação de regras urbanísticas. Por sua vez, Regalado integra a partir de hoje o Governo liderado por Montenegro.
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Avaliação do Polígrafo: