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Novo presidente do Tribunal de Contas tinha sido afastado de vários cargos em fevereiro pelo antecessor?

Política
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
O primeiro-ministro António Costa removeu o juiz conselheiro Vítor Caldeira da presidência do Tribunal de Contas (TdC) e, poucos dias depois, o Presidente da República (sob proposta do primeiro-ministro) nomeou o juiz conselheiro José Tavares como sucessor no cargo. Entretanto surgiram várias publicações nas redes sociais alegando que, em fevereiro, Tavares tinha sido afastado de vários cargos no TdC precisamente por Caldeira. Verificação de factos.

“Vítor Caldeira afastou o ex-diretor-geral José Tavares em fevereiro (estava no cargo desde 1995). Costa não renova o mandato de Vítor Caldeira. Costa nomeia agora José tavares para o lugar de Vítor Caldeira”, descreve-se numa das publicações em causa, um tweet datado de 7 de outubro, concluindo com duas perguntas retóricas: “Perceberam? Ou é preciso explicar?”

Esta alegada sucessão de acontecimentos é factualmente correta?

Sim. Começando pelo afastamento de Vítor Caldeira da presidência do TdC, como revelou o jornal “Sol”, na edição de 3 de outubro, “Vítor Caldeira fez vários pedidos de audiência a São Bento, mas o primeiro-ministro não lhe respondeu. Telefonou-lhe a comunicar que não vai ser reconduzido“.

Vítor Caldeira será assim o primeiro presidente do Tribunal de Contas desde 1977 a cumprir apenas quatro anos de mandato, como o Polígrafo informou ontem em primeira mão. Os antecessores João Pinheiro Farinha (1977-1986), António de Sousa Franco (1986-1995), Alfredo José de Sousa (1995-2005) e Guilherme d’Oliveira Martins (2005-2015) exerceram todos o cargo durante 9 a 10 anos, correspondendo a dois mandatos sucessivos.

Posteriormente, no dia 6 de outubro, o Presidente da República anunciou a nomeação de um sucessor nesse cargo: “Sob proposta do primeiro-ministro António Costa, o Presidente da República nomeou hoje o presidente do Tribunal de Contas, o juiz conselheiro José Tavares do mesmo Tribunal”.

Ora, nesse mesmo dia, o jornal “Observador” noticiou que “José Tavares foi afastado por Vitor Caldeira do cargo que ocupava há 25 anos”. Mais concretamente, “José Tavares foi afastado por Vítor Caldeira, o líder cessante, do cargo de diretor-geral daquele tribunal em fevereiro deste ano e de outros cargos que desempenhava por inerência de funções: o de chefe de gabinete do próprio Caldeira e do presidente do Conselho Administrativo do TdC. A decisão de Vítor Caldeira foi apresentada internamente como uma renovação necessária, tendo em conta que Tavares era diretor-geral do TdC desde 1995. Isto é, desempenhava o cargo há 25 anos“.

Importa salientar que, ao ser questionado sobre o afastamento de Caldeira, o primeiro-ministro justificou a decisão com o princípio da não renovação de mandatos. “O senhor presidente do Tribunal de Contas, o conselheiro Vítor Caldeira que iniciou estas funções por proposta do atual Governo, concluiu o seu mandato. E de acordo com aquilo que tem sido um princípio que tem sido definido nas relações, nomeadamente do Governo e do Presidente da República, tem vigorado o princípio da não renovação de mandatos nestas funções. Foi assim com a Procuradoria-Geral da República e é assim também com o Tribunal de Contas”, declarou Costa, no dia 5 de outubro. Alegação que já foi verificada pelo Polígrafo, concluindo-se que o princípio da não renovação de mandatos na presidência do TdC nunca tinha sido aplicado desde 1977.

Outro elemento a ter em conta é que, no dia 6 de outubro, de acordo com o jornal “Expresso”, o Presidente da República fez um balanço muito positivo do mandato de Caldeira na liderança do TdC e “espera que o primeiro-ministro lhe proponha um substituto com perfil semelhante. ‘Foi um ótimo presidente do Tribunal de Contas, elogiei-o várias vezes’, confirma Marcelo Rebelo de Sousa ao ‘Expresso’. O Presidente da República aguarda agora que António Costa lhe proponha um novo nome para o lugar, dentro ‘da mesma linha‘, ‘exatamente com o mesmo grau de exigência‘”.

Ou seja, o “novo nome” para o cargo, já aceite e nomeado pelo Presidente da República, tinha sido afastado de vários cargos em fevereiro pelo antecessor. Caldeira terá justificado essa decisão com a necessidade de “renovação”, na medida em que Tavares era diretor-geral do TdC desde 1995, há cerca de 25 anos. Contudo, em aparente paradoxo, a nomeação de Tavares para a presidência do TdC é justificada pelo primeiro-ministro com o princípio da não renovação de mandatos.

Acresce que o Presidente da República tinha pedido um “novo nome” dentro “da mesma linha”, “exatamente com o mesmo grau de exigência” de Caldeira que, afinal, em mais um aparente paradoxo, tinha afastado Tavares de vários cargos, há poucos meses.

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Avaliação do Polígrafo:

 

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