“Sr. Stoltenberg, porque é que a NATO e os seus membros violam repetidamente o direito internacional sem consequências? Yugoslávia, Iraque, Afeganistão, Síria ou Líbia, por exemplo. A China, pela sua parte, não invadiu, nem bombardeou ilegalmente nenhum país soberano em mais de 40 anos.”

Este é um trecho da intervenção do eurodeputado irlandês Mick Wallace (do Grupo Esquerda Unitária) – citado no Facebook por Wang Wenbin, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China –, dirigindo-se ao secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, na reunião conjunta que este alto responsável teve, no dia 7 de setembro, com o Comité de Negócios Estrangeiros e o Subcomité de Segurança e Defesa do Parlamento Europeu.

O contexto desta declaração encontra-se no comunicado oficial da NATO saído da sua cimeira de Vilnius (julho de 2023), no qual classifica a China como uma ameaça para aquela organização militar transnacional, por tentar “minar a ordem internacional” (25.º ponto do documento).

A comparação estabelecida relativamente aos últimos “mais de 40 anos” é, assim, entre as guerras em que a China participou e as intervenções diretas da NATO como beligerante em conflitos militares.

O último confronto bélico em que a China esteve envolvida data de 1979, entre fevereiro e março – contra o Vietname, que era apoiado pela então URSS, por causa da invasão do Camboja  –, portanto, de facto, há quase 45 anos.

Por sua vez, desde 1983, a NATO participou formal e diretamente (com ação no palco de guerra ou em retalização a uma das partes) em quatro conflitos militares: dois no contexto da guerra civil na ex-Jugoslávia, sempre em oposição ao que é hoje a Sérvia (em 1995 na independência Bósnia-Herzegovina e em 1999 na do Kosovo); no Afeganistão, como resposta aos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos (entre 2001 e 2014) e na guerra civil da Líbia, para proteger as forças opositoras ao regime de Muammar al-Gaddafi (2011). No Iraque e na Síria não houve participação direta da NATO, apesar de esta organização ter dado todo o apoio retórico aos seus intervenientes, que de resto são seus membros destacados.

Apesar da ausência de conflitos militares, os últimos 40 anos da  China têm sido marcados pelo respeito pela vida humana?

Não, longe disso. Acontecimentos mostrados pelos media em direto, milhares de testemunhos e relatórios de organizações internacionais comprovam diversos atropelos aos direitos humanos por parte do governo chinês e forças militares que superintende. Na maior parte dos casos, estão em causa, justamente, questões territoriais, com o desrespeito pela autonomia consagrada de algumas regiões de estatuto especial, consubstanciada em discriminações, perseguições e mortes, para além do assédio militar. Quatro exemplos:

Massacre de Tiananmen – a 4 de junho de 1989, culminando um mês e meio de protestos, uma manifestação liderada por estudantes -integrando vários setores da sociedade chinesa - que reivindicava uma mudança profunda na governação do país e o respeito pelos direitos civis da população foi violentamente reprimida na Praça Tiananmen, em Pequim, através do recurso a tanques e respetivos canhões. Até hoje, não há um número oficial de vítimas, mas é consensual que o de mortos se situa entre quatro centenas e poucos milhares (10.000 é a cifra mais alta apontada, referida pelo então embaixador do Reino Unido na China), para além dos milhares de feridos e presos.

Xinjiang – Região autónoma da China, com estatuto especial, tem uma grande diversidade étnica, com vários grupos maioritariamente muçulmanos. É sobre eles que, segundo relatórios do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU (agosto de 2022) e também da Amnistia Internacional (junho de 2021), estão a ser cometidos vários crimes, assim catalogados: pessoas desaparecidas ou arbitrariamente detidas; campos de internamento; tratamento médico forçado; violência sexual e de género; tortura e maus-tratos e vigilância abusiva (para além do condicionamento à liberdade religiosa). A ONU considerou mesmo que se podiam tratar de “crimes particulares contra a humanidade”.

Hong Kong – Sucessivos relatórios de organizações internacionais e resoluções do Parlamento Europeu apontam para a restrição de liberdades fundamentais neste território, autónomo, de soberania chinesa desde 1997: repressão da oposição democrática; fortes restrições à liberdade de imprensa (de que é exemplo o encerramento forçado do jornal  Apple Daily); detenções; confinamentos inesperados/repentinos (COVID-19). A Comissão Europeia, num relatório de agosto passado, alerta para a “continuação do declínio das liberdades fundamentais” nesta antiga colónia britânica.

Taiwan – Apesar de ter governo, moeda e forças armadas próprios, além de instituições independentes, esta ilha é considerada pela China como fazendo parte da sua integralidade territorial, ainda que lhe conceda um estatuto especial. ONU e UE também não reconhecem esta autoproclamada república (República da China) como estado independente. A ameaça, teórica, de uma declaração unilateral de independência tem feito com que, desde há vários anos, Pequim desenvolva exercícios militares de enorme aparato no Estreito da Formosa (mesmo defronte de Taiwan), numa clara demonstração de força, que é tomada como uma ameaça e um assédio territorial.

Numa síntese das diversas lacunas da China na área dos direitos humanos, a Organização Não Governamental Human Rights Watch considerou no seu relatório anual referente a 2022 (publicado em janeiro deste ano) que a China foi um dos países onde a repressão dos direitos humanos mais se aprofundou.

Assim, é factualmente verdadeiro que a NATO esteve envolvida em algumas guerras nos últimos 40 anos (pelo menos, numa delas agredindo um país sem mandato da ONU, como sucedeu em 1999 na Jugoslávia/Sérvia), ao passo que a China não participou em nenhum conflito militar. Mas, nestas quatro décadas, são também diversos os relatos de violações graves dos direitos humanos cometidos pelo regime chinês (que incluem milhares de mortos e detenções de civis inocentes).

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