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Norma de chumbo por faltas em vigor atualmente foi criada pelo Governo de coligação PSD/CDS-PP?

Sociedade
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
No Twitter, um utilizador afirma que quem propôs a norma de chumbo por faltas nas escolas portuguesas foi João Casanova de Almeida, antigo Secretário de Estado da Educação do Governo de coligação PSD/CDS-PP. A referência é feita a propósito das recentes declarações de Francisco Rodrigues dos Santos, líder do CDS, sobre a polémica que se instaurou a propósito do chumbo de dois alunos que não frequentaram as aulas de Cidadania e Desenvolvimento. Será verdade?

“Façam o vosso trabalho senhores jornalistas e perguntem ao @francisco__rs  quem é que propôs a norma do chumbo por faltas? Spoiler Alert: João Casanova de Almeida, ex-secretário de Estado da Educação do CDS-PP“, destaca-se numa publicação no Twitter, datada de 9 de julho.

A notícia recuperada no post reporta algumas das declarações de Francisco Rodrigues dos Santos, líder do CDS-PP, a propósito da reprovação de dois alunos de Famalicão que não frequentarem as aulas de Cidadania e Desenvolvimento.

“Senhor ministro da Educação, dedique-se a garantir que os exames nacionais não têm erros, como hoje aconteceu, e deixe estas duas crianças em paz. A escola não serve para doutrinar, nem para perseguir alunos à luz de uma ideologia oficial que o Governo socialista decidiu impor nas salas de aula”, afirmou Rodrigues dos Santos, no dia 6 de julho, em visita ao distrito de Santarém na apresentação de candidatos do CDS-PP às autárquicas na região.

No tweet, as afirmações do presidente democrata-cristão são cruzadas com a alegada informação de que terá sido um membro do CDS-PP, João Casanova de Almeida, a propor a norma que permite o chumbo dos alunos por faltas.

Terá esta conclusão algum fundamento?

Em primeiro lugar, a informação de que João Casanova de Almeida foi Secretário de Estado da Educação é verdadeira. Mais rigorosamente, ocupou o cargo de Secretário de Estado do Ensino e Administração Escolar no XIX Governo Constitucional, entre 2011 e 2015. Antes disso, já tinha exercido a função de chefe de gabinete da Secretária de Estado da Educação, Mariana Cascais, no XV Governo Constitucional.

Contactado pelo Polígrafo, João Casanova de Almeida esclarece que, no Governo do qual fez parte, “foi publicada uma lei, a Lei 51/2012, que regulou esta matéria [do chumbo por faltas]”.

“No sistema educativo português, de uma forma geral sempre existiram diplomas reguladores da ultrapassagem do limite de faltas. Mas também sempre existiram medidas de recuperação e integração para essas situações. Se a pergunta é se autonomamente publiquei uma Portaria, ou Despacho, sobre essa matéria, a resposta é não“, afirma o ex- Secretário de Estado da Educação.

A Lei n.º 51/2012 aprova o Estatuto do Aluno e Ética Escolar que se encontra atualmente em vigor. Prevê nos artigos 13º a 21º qual o regime do dever de assiduidade e efeitos da ultrapassagem dos limites de faltas. Assim, de acordo com o artigo 18º desta lei, em cada ano letivo, as faltas injustificadas não podem exceder os 10 dias, seguidos ou interpolados, para os alunos do 1º ciclo do ensino básico. Já no caso dos restantes ciclos ou níveis de ensino, não podem ser ultrapassadas as faltas sem justificação no dobro do número de tempos letivos semanais por disciplina.

Nos artigos 19º e 20º são descritos os efeitos da ultrapassagem dos limites de faltas e as medidas de recuperação. Um aluno que exceda os limites mencionados é, primeiro, sujeito a medidas de recuperação e/ou corretivas.

O artigo seguinte (21º) prevê a situação de incumprimentos ou ineficácia das medidas descritas que pode culminar na retenção no ano de escolaridade respetivo para os alunos do 1º ciclo e, para os restantes alunos, na retenção no ano de escolaridade em curso, no caso de frequentarem o ensino básico, ou na exclusão na disciplina ou disciplinas em que se verifique o excesso de faltas, tratando-se de alunos do ensino secundário.

João Costa garantiu em entrevistas e no Parlamento que nunca ordenou a reprovação de dois alunos de uma escola de Vila Nova de Famalicão que, nos últimos dois anos letivos, por imposição dos pais, não frequentaram as aulas de Educação para a Cidadania, uma disciplina obrigatória. Porém, um despacho assinado pelo secretário de Estado, que circula nas redes sociais, mostra que foi o próprio quem assinou o mandado para reter os jovens. Será que esse documento é mesmo a prova irrefutável de que o governante está a fugir à verdade?

No entanto, tal como referido pelo ex-Secretário de Estado, o regime de chumbo por faltas não é uma novidade do decreto implementado no seu mandato. Em 2002, foi implementado o “Estatuto do Aluno do Ensino Não Superior“, inscrito na  Lei n.º 30/2002, de 20 de dezembro, que previa já o chumbo por faltas. Ou seja, quando o limite de faltas injustificadas fosse ultrapassado, o aluno (abrangido pela escolaridade obrigatória, que a este tempo era o 9º ano), ficava retido no ano letivo que frequentava, salvo decisão em contrário do conselho pedagógico.

Segundo o diploma, as faltas injustificadas não podiam exceder, em cada ano letivo, o dobro do número de dias do horário semanal, no 1.º ciclo do ensino básico. No 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, no ensino secundário e no ensino recorrente, as faltas não poderiam exceder o triplo do número de tempos letivos semanais, por disciplina.

Mais tarde, em 2008, foi introduzida a realização de uma prova de recuperação sempre que os alunos excedessem o limite máximo de faltas. Se o aluno obtivesse aprovação no exame de recuperação, poderia retomar o seu percurso escolar normal. No caso de reprovação, depois da ponderação do conselho pedagógico, o aluno dentro da escolaridade obrigatória poderia ficar retido no ano.

Já em 2010, o Governo propôs eliminar o chumbo por faltas no Estatuto do Aluno. Assim, a Lei n.º 39/2010 passou a prever que apenas “o incumprimento reiterado do dever de assiduidade” determinaria  a retenção no ano de escolaridade que o aluno frequentava. A consequência direta da violação do limite de faltas injustificadas era, nesta altura, o cumprimento de um plano individual de trabalho que, no caso dos alunos do 1º ciclo incidia sobre “todo o programa curricular do nível que frequenta” e, nos restantes ciclos (2º e 3º), sobre a disciplina ou disciplinas em que ultrapassou o referido limite de faltas e que permita recuperar o atraso das aprendizagens”.

Em suma, conclui-se que é verdade que João Casanova de Almeida era Secretário de Estado do Ensino e Administração Escolar no Governo em que foi implementado o regime de reprovação por faltas que atualmente se encontra em vigor. No entanto, antes de este regime vigorar e apesar de vários recuos e avanços, a verdade é que já tinham sido implementadas várias legislações que previam o chumbo por faltas. É certo que com limites mais amplos e em relação à escolaridade obrigatória a vigorar até 2009, o 9º ano, mas não deixam de tratar-se de normas que previam um regime de possível reprovação por faltas injustificadas.

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Avaliação do Polígrafo:

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