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Nomeação de Mário Centeno como governador do Banco de Portugal seria geradora de conflitos de interesses?

Política
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
À medida que se intensifica a especulação em torno da eventual nomeação do atual ministro das Finanças, Mário Centeno, como sucessor de Carlos Costa no cargo de governador do Banco de Portugal (BdP), surgem cada vez mais vozes no espaço público (nomeadamente em artigos de opinião nos jornais e comentários de análise política nas estações de televisão) a levantar a questão dos potenciais conflitos de interesses resultantes dessa passagem direta do Governo em funções para o banco central. O Polígrafo analisou o Código de Conduta do BdP e questionou o presidente da TIAC, João Paulo Batalha, em busca de uma resposta.

Entrou em vigor há cerca de três anos e meio, em junho de 2016, mas só foi publicado em “Diário da República” no dia 12 de fevereiro de 2020. No Código de Conduta dos Membros do Conselho de Administração do BdP encontra-se um capítulo dedicado à “prevenção de conflitos de interesses” com um total de 15 alíneas.

A eventual nomeação do atual ministro das Finanças, Mário Centeno, como governador do BdP, parece encaixar nas situações previstas nas alíneas 5.2 e 5.3 do Código de Conduta.

Na alínea 5.2 determina-se que “tendo em consideração o impacto das suas decisões na evolução dos mercados e na estabilidade do sistema financeiro, os membros do Conselho devem estar sempre em posição de poderem atuar com plena independência, isenção e imparcialidade“.

Por sua vez, na alínea 5.3 estabelece-se que “os membros do Conselho que, no exercício das suas funções, sejam chamados a participar em processo de decisão relativo a matérias em cujo tratamento ou resultado tenham interesses privados ou pessoais, designadamente em resultado de anterior ocupação profissional ou no âmbito das suas relações pessoais, devem informar imediatamente o Conselho de Administração, com vista à adoção das medidas adequadas. O disposto nesta regra aplica-se, designadamente, às decisões relativas ao exercício das funções de supervisão e resolução, à admissão e situação profissional de trabalhadores e à aquisição de bens e serviços”.

Questionado sobre esta matéria, o presidente da Transparência e Integridade, Associação Cívica (TIAC), João Paulo Batalha, começa por sublinhar que “a eventual nomeação do ministro das Finanças para governador do Banco de Portugal coloca Mário Centeno e o Governo num conflito de interesses inultrapassável. Segundo a lei orgânica do Banco de Portugal, ‘a designação do Governador é feita por resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do ministro das Finanças e após audição por parte da comissão competente da Assembleia da República, que deve elaborar o respetivo relatório descritivo”.

“Isto significa que, para Mário Centeno ser governador do Banco de Portugal, teria de ser nomeado por si próprio e aprovado pelo Governo de que faz parte. Não há exemplo mais evidente de conflito de interesses! É aliás estranho que o Governo, desde logo o primeiro-ministro, continue a alimentar especulação sobre este assunto. Se esta nomeação for feita, o mesmo Governo que prometeu limitar as nomeações políticas de familiares de governantes permitirá que um governante nomeie, não um familiar ou amigo, mas a si próprio! Seria aberrante”, considera Batalha.

“Evidentemente, uma solução mais artificiosa, que incluiria Mário Centeno demitir-se de ministro das Finanças e ser nomeado pelo seu sucessor, seria um mero álibi que não resolveria o conflito de interesses – desde logo porque o negócio já estaria obviamente montado; e portanto a nomeação do novo ministro das Finanças não seria livre. Além disso, o Banco de Portugal é um regulador independente, que deve funcionar sem interferências por parte do Governo. Logo, qualquer padrão ético mínimo aconselharia que um ex-governante não fosse nomeado, seguramente por nenhum Governo do qual tenha feito parte – o que seria o caso, mesmo que Centeno não se nomeasse a si próprio”, argumenta.

“Para Mário Centeno ser governador do Banco de Portugal, teria de ser nomeado por si próprio e aprovado pelo Governo de que faz parte. Não há exemplo mais evidente de conflito de interesses! (…) Se esta nomeação for feita, o mesmo Governo que prometeu limitar as nomeações políticas de familiares de governantes permitirá que um governante nomeie, não um familiar ou amigo, mas a si próprio”, afirma João Paulo Batalha, presidente da TIAC.

“Acresce a tudo isto o contexto específico do sistema financeiro português em que esta nomeação seria feita”, prossegue. “O Governo de que Mário Centeno faz parte – e Mário Centeno pessoalmente, como ministro das Finanças – tem sido responsável pela injeção de milhares de milhões de euros no sistema financeiro, quer na recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, quer na provisão de empréstimos para o Fundo de Resolução, quer em mecanismos de resgate bancário. Isto tem implicações éticas diretas, à luz do recém-publicado Código de Conduta dos Membros do Conselho de Administração do Banco de Portugal”.

Na perspetiva de Batalha, “a aplicação conjunta dos pontos 5.3 e 5.4 do Código de Conduta tornariam Mário Centeno num governador de mãos atadas. É evidente que Mário Centeno tem um interesse pessoal, em resultado da sua anterior ocupação profissional, nas decisões mais relevantes que o Banco de Portugal terá de tomar em matéria em matéria de supervisão e resolução, dado que tem sido um ator crucial em todos os processos de resolução dos últimos mais de quatro anos. Em cumprimento do Código de Conduta, o governador Mário Centeno teria de escusar-se a participar nas mais relevantes e consequentes decisões do Banco de Portugal, o que o tornaria num regulador inútil”.

“É evidente que não estão reunidas condições mínimas – de integridade do processo de nomeação, de independência no exercício do cargo e de eficácia no desempenho das funções – para que Mário Centeno possa sequer ser contemplado como um candidato sério ao cargo”, adverte o presidente da TIAC.

E conclui da seguinte forma: “Não faltarão seguramente pessoas capacitadas, experientes e com idoneidade e competência para o exercício das funções. O que falta é um processo de nomeação que seja menos endogâmico, menos à porta fechada, mais competitivo e transparente e mais escrutinável. O modo de nomeação estatuído na lei é mau, fechado, promíscuo e pouco escrutinável (mesmo com uma audição parlamentar que não tem, apesar de tudo, competências para travar o processo). Essa é a reforma que urge discutir, em vez de tentarmos racionalizar uma nomeação inaceitável. É consensual que o Banco de Portugal não tem sido bem governado e o processo de nomeação do governador é seguramente um factor na inércia e ineficácia deste regulador crucial. Inércia e ineficácia que têm custado muito caro à economia e aos contribuintes”.

Avaliação do Polígrafo:

 

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