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Nelson Mandela convidou para almoçar um guarda que o torturou na prisão?

Internacional
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Num texto que continua a ser partilhado nas redes sociais, alega-se que o antigo presidente da África do Sul, Nelson Mandela, terá convidado para a sua mesa de almoço um guarda que supostamente o torturou durante os 27 anos em que esteve preso na Robben Island. Verdade ou mentira?

“Depois de me tornar presidente, pedi a alguns membros da minha escolta para irmos passear à cidade. De seguida, fomos almoçar a um restaurante. […] Foi aí que eu percebi que na mesa à nossa frente estava um homem sozinho, à espera de ser atendido. Quando ele foi servido, eu disse a um dos meus soldados: vai pedir àquele homem que se junte a nós”, é como começa a história partilhada nas redes sociais, em várias idiomas, como inglês, português e espanhol.

Ao longo do texto, supostamente narrado pelo antigo presidente sul-africano (1994-1999), descreve-se que o homem tremia enquanto comia, mas não por estar doente. Nelson Mandela teria contado que aquele homem se tratava de um guarda que o tinha torturado e humilhado nos 27 anos em que esteve preso.

Nelson Mandela, que ganhou o prémio Nobel da Paz em 1993, foi acusado de traição devido à sua campanha para acabar com o apartheid, o regime de segregação imposto pela minoria branca sobre a maioria negra no século XX. Mandela passou a maior parte desses anos na prisão da ilha Robben, onde foi submetido a trabalhos forçados. Mas será que a história que tem sido partilhada nas redes sociais é verdadeira?

Não acreditamos que haja qualquer veracidade nessa história que parece estar a circular nas redes sociais”, garantiu Razia Saleh, a diretora de Arquivo e Pesquisa na Fundação Nelson Mandela, à equipa de fact check da Agence France Presse (AFP). Saleh apontou que as condições na prisão eram lamentáveis, mas Mandela “nunca foi torturado fisicamente ou foi vítima de tais humilhações. Declarou isso publicamente em várias ocasiões”. Aliás, numa entrevista à revista “Time“, em 2001, Nelson Mandela disse que passou por experiências muito difíceis, mas nunca foi agredido brutalmente como alguns dos outros presos.

Verne Harris, o diretor de Arquivo e Diálogo na Fundação Nelson Mandela, disse à AFP que nas conversas que tinha com o antigo presidente da África do Sul “sempre foi absolutamente claro que nunca foi vítima das formas de tortura como as que são descritas na história. Isso já foi comprovado por outros depoimentos de colegas de prisão e antigos guardas”, acrescentou.

De acordo com uma publicação no Facebook que foi denunciada como sendo falsa ou enganadora, "Portugal votou contra a libertação de Mandela. Ano de 1987, Assembleia Geral das Nações Unidas reuniu-se para aprovar um manifesto a favor da libertação incondicional de Nelson Mandela que cumpria prisão perpétua pela sua luta contra o 'apartheid'". Confirma-se? Verificação de factos.

Também não há qualquer registo desta história ou de quaisquer relatos de tortura nem na autobiografia, “Long Walk to Freedom”, nem na biografia autorizada “Mandela” escrita por Anthony Sampson.

Concluindo, não há provas de que Nelson Mandela tenha sido torturado durante os 27 anos em que esteve preso na África do Sul, muito menos que tenha convidado para a mesa em que estava a almoçar um ex-guarda que o torturou e humilhou durante esse tempo.

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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é:

Falso: as principais alegações dos conteúdos são factualmente imprecisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Falso” ou “Maioritariamente Falso” nos sites de verificadores de factos.

Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é:

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