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Nelson Évora sobre Pichardo: “Qualquer estrangeiro que vem para Portugal tem que esperar cinco anos” pela naturalização

Desporto
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
A picardia é antiga: os dois homens do triplo salto ainda não chegaram a um entendimento e, numa entrevista dada ontem à Rádio Observador, Nelson Évora acusou o colega Pedro Pablo Pichardo de ter beneficiado de "uma cunha" no processo de naturalização, que decorreu em tempo recorde. Entre várias declarações polémicas afirmou, erradamente, que a espera é, para todos, sempre de cinco anos. 

Pedro Pablo Pichardo é tão português quanto Nelson Évora: chegou mais tarde ao país, com carreira já feita, e conseguiu bater recordes não só no triplo salto, mas também no processo de naturalização, que demorou cerca de três meses para o atleta de origem cubana que chegava, em 2017, a Portugal para competir pelo Benfica. Quem não se alegrava com a decisão era Nelson Évora, o ouro português de origem cabo-verdiana, que assinalou logo à data que tinha, ele próprio, esperado 11 anos pela obtenção de nacionalidade. Tinha 6 quando chegou a Portugal. O que separa os dois casos? 

“Tem que ser igual”. As palavras são de Nelson Évora em entrevista à Rádio Observador, este domingo, e visam precisamente o processo de naturalização de Pichardo, que ganhou mais uma medalha de ouro nos Europeus de Pista Coberta recentemente disputados na Turquia.

“Aqui a questão é a igualdade de oportunidade. Não faz sentido termos uma atleta como a Agate [Sousa], que é de São Tomé, e a colega não tem a nacionalidade e tem de andar a pedinchar a nacionalidade. É uma ex-colónia portuguesa e são atletas que podem fazer resultados espetaculares. Eles e elas só querem uma oportunidade, então que seja dada da mesma forma, foi o que eu disse. Eu tive de esperar 11 anos, não achei justo”, comentou Évora, que parece conhecer bem o processo de pedido de nacionalidade: “Um atleta vem, faz o seu pedido de interesse para a nacionalidade, é analisado o caso, é visto que o atleta tem interesse em ficar no país. Como qualquer estrangeiro que venha para Portugal, tem que viver cinco anos, tem de ter o papel de residência durante cinco anos. Aqui é uma questão de desporto, porque cinco anos é muito tempo para um desportista, e eu entendo que seja três meses, mas que seja três meses para toda a gente. Não que seja dez anos para um atleta, porque realmente não teve a mesma oportunidade, ou não teve as mesmas cunhas, mas para outro atleta, por uma questão clubística.”

“Cunha” não foi a palavra mais forte utilizada por Nelson Évora nesta entrevista. O campeão olímpico falou em “compra” e disse que, apesar de contente com as medalhas conquistadas por Pichardo, há interesses escondidos: “Quem é que lucrou com isso? Foi Portugal? Claro. O investimento foi feito a curto prazo. Foi comprado um atleta para poder ter resultados a curto prazo.”

“Não aceito, nunca vou aceitar e vou morrer a dizer que não é a mesma coisa. São três meses e eu cumprimento todos os responsáveis e digo assim ‘Graças à vossa cunha, mudaram uma coisa, que agora o atleta já não tem de esperar cinco anos, que é o processo de naturalização de qualquer estrangeiro que vem para Portugal e que tem de esperar cinco anos’. A não ser que seja fugitivo político ou refugiado, pronto, mas ele não é uma coisa nem outra, ele e outros muitos atletas”, concluiu.

Pichardo não deixou de responder ao já antigo rival nas redes sociais. No Instagram, escreveu: “Quando dizes que fui comprado, estás a faltar-me ao respeito. Não sou uma prostituta nem sou como tu, que saíste mal do clube porque te ofereceram mais (…) Só ganhaste duas vezes e a tua melhor marca é 17,74 metros. Eu salto mais do que isso de leggings compridas e chapéu. Nunca foste a minha referência nem como atleta, nem como pessoa. Passar 11 anos para teres um documento português não te faz mais português do que ninguém ou do que eu, que tive em pouco tempo. Afinal, adquirimos os dois nacionalidade portuguesa, o que quer dizer que não nascemos cá. Pára de falar de mim, que já pareces uma menina quando gosta de um rapaz. És bonito mas não sou gay (…) Quando fores vencedor da Diamond League, saltares 18 metros e tiveres os meus títulos num ano, então falamos de campeões. Sou melhor do que tu, aceita. Tu sabes.

Pichardo tem a lei do seu lado: pode já não beneficiar do estatuto de refugiado, mas foi nesses termos que chegou a Portugal em 2017. E foi, meses depois, por motivos de “interesse nacional”, que se desenvolveu o processo de naturalização. 

A lei portuguesa assim o dita, mas antes dela a ONU (Organização das Nações Unidas): segundo a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, “os Estados Contratantes facilitarão, na medida do possível, a assimilação e a naturalização dos refugiados” e “esforçar-se-ão notadamente para acelerar o processo de naturalização e reduzir, na medida do possível, as taxas e despesas desse processo”.

Já de acordo com a Lei da Nacionalidade que vigora em Portugal, o Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que sejam maiores ou emancipados à face da lei portuguesa, que residam legalmente no território português há pelo menos cinco anos, que conheçam suficientemente a língua portuguesa, que não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos e que não constituam perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei.

À “margem da lei”, ou dispensados de viver cinco anos em Portugal e de conhecerem a língua portuguesa, estão os cidadãos estrangeiros que “tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional”. Este foi o argumento-chave da Federação Portuguesa de Atletismo (FPA) e do Comité Olímpico de Portugal, que emitiram em conjunto um parecer, para fechar o processo de naturalização de Pichardo, em dezembro de 2017.

Esta manhã, também à Rádio Observador, o Presidente da FPA, Jorge Vieira, negou ter havido qualquer tipo de “aliciamento” a Pablo Pichardo: “Não compramos atletas, não convidámos nenhum atleta a ser português. Dizer que a federação compra atletas é intolerável. Apoiamos atletas para chegarem à excelência. Dizer que não apoiamos jovens e que apostamos na compra de atletas é de uma injustiça tremenda.”

Sobre a diferença no período de espera para naturalização, Jorge Vieira confirmou ter havido um parecer para acelerar o processo de Pichardo, mas lembra que Évora era muito jovem quando chegou a Portugal:

“Houve tratamento diferente. Nelson Évora vem para Portugal com nove anos [Évora diz que chegou com seis], não colhia nenhum argumento dentro da lei, não se esperava de uma criança de nove anos ou até ser júnior… não se poderia alegar neste período qualquer argumento para acelerar a naturalização. Teve de se esperar pela maioridade.”

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Avaliação do Polígrafo:

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