- O que está em causa?Em reunião plenária da Assembleia Municipal de Lisboa, Carlos Moedas elogiou a “grande revolução da mobilidade” em curso na cidade. Sobre o tema, disse: “É que 91 mil lisboetas, ou seja, 17% da população em Lisboa, não paga transportes públicos. Não há outra cidade na Europa.” Nas redes sociais, houve quem considerasse que o autarca “voltou a mentir aos lisboetas”. Quem tem razão?

Afirmações recentes do presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, viralizaram nas redes sociais - com destaque para um tweet em que se alega que terá faltado à verdade. Na reunião plenária da Assembleia Municipal de Lisboa de 24 de outubro (pode consultar aqui a gravação integral), o autarca eleito pelo PSD afirmou: "(...) mas há algo que nós estamos como exemplo na Europa. É que 91 mil lisboetas, ou seja, 17% da população em Lisboa, não paga transportes públicos. Não há outra cidade na Europa, meus amigos. Não há outra que tenha isto."
Nessa declaração, o autarca referia-se a uma medida em vigor desde 2022 no município que lidera - a disponibilização de transportes públicos gratuitos para seniores residentes na cidade e estudantes até aos 23 anos de idade.
Mas será mesmo verdade que, como disse Moedas, Lisboa é a única cidade europeia onde uma percentagem tão elevada da população "não paga transportes públicos"? Ou ter-se-á equivocado nessa alegação, como acusa o referido tweet?
Basta percorrer 25 quilómetros até Cascais para concluir que não. Desde 2020 que a autarquia de Cascais implementou o "Cartão Viver Cascais" que, entre outros benefícios, permite aos passageiros circularem gratuitamente "em todas as carreiras de autocarros municipais, ou seja, todas as carreiras que circulam apenas dentro do concelho de Cascais".

A quem se destina este regime? "A todos os residentes, trabalhadores e estudantes de Cascais”, mediante revalidações anuais ou bianuais do documento (dependendo dos casos) e apresentação de comprovativos de morada, da entidade empregadora e de matrícula, respetivamente.
Segundo informou o "Jornal de Notícias" em setembro de 2022, a medida tinha levado a que 40% dos residentes aderissem ao cartão em causa. Um balanço feito pela autarquia mais recentemente, em fevereiro de 2023, deu conta de que tinham já sido criados, até então, mais de 100 mil destes cartões que dão acesso aos transportes públicos - superando assim, à partida, os "91 mil lisboetas" (ou "17% da população") que não pagam transportes públicos, como enalteceu Moedas.
Ao Polígrafo, o vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais, Miguel Pinto Luz, disponibilizou números mais atualizados sobre a adesão a este serviço. Numa altura em que o concelho conta com "214 mil cidadãos", há atualmente "115 mil pessoas com o 'Cartão Viver Cascais'". Desses, "cerca de 50 mil utilizaram pelo menos uma vez" esse título de transporte "no ano passado" - ou seja, beneficiaram efetivamente dessa gratuitidade.
Moedas referiu-se porém a "cidade na Europa" e, formalmente, Cascais é uma vila. Com mais de 214 mil habitantes, desde há muitos anos que dispõe de todos os requisitos para ser elevada ao estatuto de cidade, mas prefere não o fazer por motivos de "imagem" e "apelo turístico".
De qualquer modo, há mais exemplos que refutam a afirmação de Moedas. Desde logo Tallinn, a capital da Estónia, que foi mesmo pioneira na Europa ao introduzir em 2013 um sistema gratuito de transportes públicos para 100% dos residentes. Presentemente, a população de Tallinn ascende a mais de 420 mil pessoas, número muito superior (além da percentagem) aos "91 mil lisboetas" que têm acesso a transportes públicos gratuitos.
Um exemplo geograficamente mais próximo: desde 2020 que os transportes públicos são gratuitos em todo o território do Luxemburgo. O que inclui evidentemente a cidade do Luxemburgo, capital do grão-ducado, que tem mais de 128 mil habitantes com direito a essa gratuitidade.
O mesmo se aplica à cidade norueguesa de Stavanger que oferece um sistema gratuito de transportes públicos a 100% dos cerca de 130 mil habitantes. Inclui autocarros, comboios e barcos. Apesar de serem gratuitos, implica a emissão de bilhetes, segundo informam as autoridades locais.
Acrescem outros exemplos de pequenas cidades e vilas (pode conferir aqui), mas os casos já apresentados bastam para comprovar que a alegação de Moedas não tem fundamento.
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Avaliação do Polígrafo:
