“Ex-vice-presidente da Pfizer: ‘Não há necessidade de vacinas’, ‘a pandemia efetivamente acabou'”, lê-se na imagem que acompanha uma publicação no Facebook sobre as alegações do cientista, antigo funcionário da empresa farmacêutica que criou uma das vacinas contra a Covid-19.
O autor da publicação agradece a quem traduziu o artigo de Michael Yeadon e enaltece a opinião do cientista como um exemplo de cidadania. E apela: “Agora leiam, porque vale a pena. Mais uma pessoa com competências para falar do que fala a alertar-nos”.
As alegações em causa têm fundamento?
De facto, Michael Yeadon foi diretor científico do departamento de investigação de alergias e problemas respiratórios da Pfizer, entre 1995 e 2006. Segundo a informação disponível no perfil do investigador na plataforma Linkedin, entre 2006 e 2011 passou a exercer o cargo de vice-presidente no mesmo departamento da Pfizer, mas não da empresa como um todo, ao contrário do que se alega (erradamente) nas redes sociais.
Na página oficial da Pfizer confirma-se que Frank D’Amelio é quem exerce o cargo de vice-presidente da empresa, acumulando as funções de diretor financeiro, desde setembro de 2007.
As alegações sobre a pandemia tornaram-se virais nas redes sociais depois de Yeadon ter publicado um texto num blog em que criticava as medidas restritivas aplicadas pelo Governo do Reino Unido. Foi esse texto que serviu de base a centenas de publicações nas redes sociais.
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“Não há necessidade de vacinas”
“Não há absolutamente necessidade nenhuma de vacinas para extinguir a pandemia”, escreveu o cientista britânico. Uma posição que contraria a opinião dos especialistas mundiais sobre a importância da vacinação para conseguir controlar o novo coronavírus, numa altura em que ainda não se sabe, por exemplo, se quem já foi dado como recuperado poderá voltar a ficar infetado.
Esta opinião é refutada por Celso Cunha, virologista e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, o qual sublinha que “a vacinação é o único meio disponível para evitar novos contágios e conter a pandemia. Até agora, não há um tratamento específico eficaz e as vacinas são o único meio para reduzir a transmissão. Por isso, a sua importância é crucial e, neste momento, insubstituível”.
Questionado pelo Polígrafo, Paulo Paixão, presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia, aponta no mesmo sentido, considerando que a vacinação “é a única forma de acabar com a pandemia“.
Na página da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) destaca-se que “vacinas seguras e eficazes contra a Covid-19 são necessárias para proteger os indivíduos de ficarem doentes. Isto é particularmente importante para o caso dos profissionais de saúde e grupos mais vulneráveis, como idosos e pessoas com doenças crónicas”.
Também na página da Organização Mundial da Saúde (OMS) encontramos a informação de que “a imunidade de grupo é alcançada protegendo as pessoas do vírus e não expondo-as ao mesmo“. Assim, “quanto mais pessoas de uma comunidade se vacinarem, menos pessoas ficarão vulneráveis [à infeção], uma vez que se reduzem as possibilidades de transmissão do agente patogénico”. Essa redução da circulação do vírus “protege os que não se podem vacinar devido a outros problemas de saúde graves”, originando assim a chamada “imunidade de grupo”.
Em declarações ao Polígrafo, Celso Cunha realça que “mesmo que todas as pessoas que não queiram tomar vacinas as não tomem, a percentagem das que as vão tomar deve ser mais do que suficiente para criar imunidade de grupo, pelo menos durante algum tempo, incluindo para os indivíduos que optaram por não a tomar”. Por seu lado, Paulo Paixão receia que a imunidade de grupo possa ser colocada em causa, se o número de indivíduos que recusa tomar a vacina “foi muito elevado”.
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“A pandemia efetivamente acabou”
Yeadon também propaga informação falsa quando afirma que “a pandemia efetivamente acabou”. Os dados mundiais demonstram o contrário, sublinha Celso Cunha, questionado também sobre esta matéria.
“Existem cerca de 24 a 26 milhões de casos ativos em todo o mundo, sendo que nos últimos 15 dias a tendência foi de alguma estabilização. Há ainda cerca de 103 mil pessoas em Unidades de Cuidados Intensivos. Há duas semanas havia um pouco mais, cerca de 112.000. Atualmente, o número de mortes diárias ronda as 12 mil, comparativamente às 14 mil de há 15 dias. Além disso, o número de novos casos diários está à volta de 450 mil e há um mês atrás eram cerca de 750 mil”, descreve o virologista.
Como tal, não tem dúvidas em afirmar que “é evidente que a pandemia não terminou, muito longe disso, embora os dados globais do último mês sejam de algum modo um pouco animadores”. Estes valores mais baixos podem ser consequência do “efeito de alguma vacinação ou porque, em países onde havia mais relutância por parte da população em aceitar a existência da pandemia, se mudou de opinião e já se tomam algumas medidas de precaução”.
No entanto, “é muito cedo para tirar conclusões credíveis sobre o eventual impacto que as novas variantes possam vir a ter na eficácia das vacinas, resposta aos tratamentos, e transmissibilidade”, conclui.
Aliás, em dezembro de 2020, ou seja, em data posterior às alegações de Yeadon, foi confirmada a existência de uma nova estirpe do SARS-CoV-2, designada como VUI 202012/01, a qual fez disparar o número de contágios no Reino Unido. Segundo anunciou na altura o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, esta nova variante era 70% mais transmissível do que a versão original, sendo responsável pelo aumento exponencial do número de infetados.
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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.
Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é:
Falso: as principais alegações dos conteúdos são factualmente imprecisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Falso” ou “Maioritariamente Falso” nos sites de verificadores de factos.
Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é: