"Onde havia um processo de privatização da TAP que passava para os privados a maioria do capital e dos riscos que lhe estavam associados, foi ordem para renacionalizar, não a totalidade do capital, mas a totalidade dos riscos. Ordem para transitar 50% para o Estado, mas 100% do risco do negócio também para o Estado. Conclusão, a conta que está a ser paga pelos contribuintes já vai em mais de 3.000 milhões de euros", declarou hoje Luís Montenegro, no discurso de encerramento do 40.º Congresso Nacional do PSD.

De facto, em novembro de 2015, o Governo de coligação PSD/CDS-PP, liderado por Pedro Passos Coelho, concluiu a operação de reprivatização de 61% do capital social da TAP, por venda direta, ao consórcio Atlantic Gateway (de Humberto Pedrosa e David Neeleman), para cumprir compromissos assumidos com a troika e viabilizar a recapitalização e viabilidade financeira da companhia aérea.

Durante a campanha eleitoral para as eleições legislativas de 2015, António Costa, líder do PS e então candidato a primeiro-ministro, manifestou a sua oposição à operação de reprivatização da TAP. Nesse sentido, prometeu que, se fosse eleito primeiro-ministro, iria reverter a reprivatização, garantindo que o Estado ficaria pelo menos com 51% da companhia aérea, de forma a recuperar o controlo sobre a mesma.

Depois de assumir o cargo de primeiro-ministro, porém, Costa não cumpriu totalmente essa promessa eleitoral. Em junho de 2017, o Governo finalizou a operação de recompra pelo Estado das ações necessárias para deter 50% (e não 51%) do respetivo capital social e recuperar o controlo estratégico da companhia.

No relatório da auditoria que o Tribunal de Contas (TdC) efetuou sobre as operações de reprivatização e recompra da TAP, publicado em junho de 2018, concluiu-se que o processo de reprivatização e recompra da TAP foi "regular", mas "não o mais eficiente", porque as "sucessivas alterações contratuais" agravaram as "responsabilidades do Estado" e aumentaram a "exposição às contingências adversas da empresa".

Solicitada pela Assembleia da República para avaliar "a regularidade e a salvaguarda do interesse público" nas operações de reprivatização e recompra da TAP, a auditoria do TdC recomenda ao Governo que promova "um quadro regulador estável sobre a participação do Estado em empresas de carácter estratégico" e assegure "mecanismos adequados de partilha de riscos, de responsabilidades e de benefícios económicos e financeiros com o parceiro privado".

Sobre a reprivatização, o TdC considerou que o Estado "satisfez compromissos internacionais, viabilizou uma empresa considerada de importância estratégica", "melhorou as contas da Parpública" (692 milhões de euros) e "assegurou a recapitalização pelo parceiro privado" (337,5 milhões de euros). Contudo, "perdeu controlo estratégico" (ao passar a deter uma posição minoritária de 34% no capital social) e "garantiu dívida financeira da empresa em caso de incumprimento" (615 milhões de euros).

Quanto à operação de recompra, decidida por Costa, o TdC notou que o Estado "recuperou controlo estratégico com a posição de maior acionista" (de 34% para 50%), mas "perdeu direitos económicos" (de 34% para 5%), além de "assumir maiores responsabilidades na capitalização e no financiamento da empresa", agravando a exposição a contingências futuras. Em contrapartida, a redução da participação da Atlantic Gateway no capital social (de 61% para 45%) foi acompanhada pelo acréscimo dos correspondentes direitos económicos (de 61% para 90%).

"Após a recomposição do capital social a evolução da situação económica e financeira da empresa e as estimativas apresentadas no seu plano estratégico (capitais próprios e resultados líquidos) são positivas. Porém, subsistem os riscos inerentes às obrigações assumidas pelo Estado e as projeções, até 2022, são insuficientes para aferir da sustentabilidade do negócio", sustentaram os auditores do TdC.

Ou seja, a TAP foi reprivatizada, de facto, pelo Governo de Passos Coelho. Quando o novo Governo de Costa tomou posse, a operação estava consumada, pelo que foi obrigado a negociar um acordo com os novos proprietários da companhia aérea no sentido de reverter essa reprivatização. A solução encontrada consistiu em recuperar 50% do capital social para o Estado, embora ficando com apenas 5% dos direitos económicos. Por seu lado, o consórcio Atlantic Gateway ficou com 45% do capital social da TAP e 90% dos direitos económicos.

Há uma componente da declaração de Montenegro que não é totalmente rigorosa, ao extrapolar os factos em causa, quando se refere à "totalidade dos riscos". O TdC concluiu que a operação de recompra conduzida pelo Governo de Costa implicou "assumir maiores responsabilidades na capitalização e no financiamento da empresa", agravando a exposição a contingências futuras, mas isso não equivale exatamente à "totalidade dos riscos".

Prejuízos da TAP: "Mais de 3.000 milhões de euros"

Quanto à "conta" que está a ser "paga pelos contribuintes" e "já vai em mais de 3.000 milhões de euros", o novo líder do PSD estaria a apontar para o período ulterior ao processo de resgate da companhia aérea portuguesa lançado pelo Estado em 2020.

Ora, consultando o Relatório de Gestão e Contas Consolidadas de 2021 que a TAP apresentou à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), verifica-se que em 2021 foi registado um prejuízo total de 1.599,1 milhões de euros, superando o valor negativo de 1.230,3 milhões de euros que se tinha verificado em 2020, primeiro ano de impacto da pandemia de Covid-19 no setor da aviação.

Entretanto, os resultados do primeiro trimestre de 2022 foram comunicados pela empresa à CMVM no dia 27 de maio de 2022 (pode consultar aqui) e indicam um resultado líquido negativo de 121,6 milhões de euros. Somados os três valores (prejuízos de 2020, 2021 e do primeiro trimestre de 2022) chegamos a um total de 2.951 milhões de euros, não muito distante dos referidos 3.000 milhões de euros.

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