- O que está em causa?Crimes como prevaricação ou tráfico de influência fazem parte da operação que motivou a atual crise política e que, há umas semanas, levou à demissão do Primeiro-Ministro António Costa. O líder do PSD veio a público exigir esclarecimentos e acusou o PS de ceder “muito rapidamente a esquemas de compadrio político”. Na rede social X, é acusado de, enquanto advogado, ter colhido 400 mil euros com ajustes diretos de autarquias do PSD. Será?

"O Montenegro quer acabar com o tráfico de influências no Governo? O mesmo Montenegro que recebeu 400 mil euros em ajustes diretos de câmaras do PSD?", questiona "tweet" partilhado este sábado, 18 de novembro, em formato de "meme".

O contexto é claro: depois da crise política, Luís Montenegro pediu eleições antecipadas (entretanto marcadas para 10 de março) e garantiu que o PSD quer "conquistar uma nova maioria e formar novo Governo". Ao país, assegurou que os problemas atuais não são uma "fatalidade", mas notou que o PS insiste em trazer um "pântano para a democracia portuguesa".
Para Montenegro, "a legitimidade do PS" tinha acabado de ruir "dentro de si própria". Já Portugal, considerou, não pode "tolerar ou permitir que importantes decisões de investimento possam ser tomadas por qualquer outro critério que não seja o do interesse público". A este propósito, e motivado por posts que acusam Montenegro de incoerência, o Polígrafo recupera a atividade da Sousa Pinheiro & Montenegro, sociedade de advogados.
Líder do PSD desde 1 de julho de 2022, Montenegro foi um dos sócios fundadores da Sousa Pinheiro & Montenegro (SP&M), sociedade de advogados sediada no Porto (vendeu os 50% do capital social da sociedade antes de ser eleito). Mesmo enquanto exerceu sucessivos mandatos de deputado à Assembleia da República, o social-democrata manteve sempre essa atividade profissional.
Já em 2018, Montenegro renunciou ao mandato de deputado à Assembleia da República, prosseguindo a sua atividade profissional na SP&M.
Entre fevereiro de 2014 e janeiro de 2018, de acordo com os dados registados no portal Base, a firma de Montenegro celebrou 10 contratos por ajuste direto com as câmaras municipais de Espinho (seis) e de Vagos (quatro), ambas lideradas pelo PSD, faturando um valor total de 400 mil euros (média de 100 mil euros por ano).
O último contrato antes de Montenegro ter saído da Assembleia da República data de 8 de janeiro de 2018, adjudicado pela Câmara Municipal de Espinho e visando a "aquisição de serviços de assessoria e informação jurídicas" por 54 mil euros.
Cerca de três semanas antes, no dia 20 de dezembro de 2017, a mesma Câmara Municipal de Espinho tinha celebrado outro contrato por ajuste direto com a mesma SP&M, visando "serviços de representação jurídica" por 72 mil euros.
Na semana anterior, a 15 de dezembro de 2017, tinha sido a Câmara Municipal de Vagos a contratar a SP&M por ajuste direto, visando a "aquisição de serviços de assessoria jurídica e representação em juízo" por 74.700 euros.
Importa salientar que, na altura dos contratos, as autarquias de Espinho e Vagos eram lideradas pelo PSD, sob as presidências de Joaquim Pinto Moreira e Silvério Regalado, respetivamente. Aliás, o próprio Montenegro foi presidente da Assembleia Municipal de Espinho (2009-2013) e vereador na Câmara Municipal de Espinho (1997-2001).
De resto, a atividade paralela do então deputado Montenegro foi um dos oito casos analisados pela Subcomissão de Ética em março de 2017, na sequência de uma investigação do "Jornal Económico".
A Subcomissão de Ética concluiu - apesar dos votos contra de deputados do BE e do PCP - que os casos envolvendo advogados não configuravam "impedimento", tratando-se de uma profissão liberal que não se integra na atividade de "comércio ou indústria" prevista no Estatuto dos Deputados que estava em vigor (esta regra acabou por ser alterada em 2019).
Até 2019, de acordo com o Artigo 21.º (Impedimentos) era vedado aos deputados "no exercício de atividade de comércio ou indústria, direta ou indiretamente, com o cônjuge não separado de pessoas e bens, por si ou entidade em que detenha participação relevante e designadamente superior a 10% do capital social, celebrar contratos com o Estado e outras pessoas coletivas de direito público, participar em concursos de fornecimento de bens ou serviços, empreitadas ou concessões".
De resto, em 2020 e 2021, a SP&M voltou a obter mais dois contratos por ajuste direto dos municípios de Espinho e Vagos. A nova lei em vigor impediria essa situação, mas Montenegro já não exercia o mandato de deputado desde 2018.
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Avaliação do Polígrafo:
