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Moedas resgatou a primeira solução de Medina para a ciclovia da Almirante Reis?

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Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
O atual Executivo do município de Lisboa não vai, afinal, acabar com a ciclovia da Avenida Almirante Reis, ao contrário do que prometera na campanha eleitoral. E agora é até acusado de ir implementar a primeira solução apresentada por Fernando Medina, em janeiro de 2020. Verificação de factos.

“O artista! A CMLisboa apresentou ontem aos lisboeta a sua versão para a ciclovia da Almirante Reis. É a primeira versão de Fernando Medina (!) e que foi adiada por causa da pressão de um grupelho próximo do PSD. Até as fotos apresentadas ao público são as mesmas da proposta Medina!”

Esta publicação no Twitter garante que o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, foi recuperar, sem qualquer alteração, a primeira proposta do seu antecessor, Fernando Medina, para a ciclovia da Avenida Almirante Reis, em Lisboa. Também na reunião do Executivo camarário do dia 30 de março, o vereador do PS Pedro Anastácio considerou mesmo que esta proposta do gabinete de Moedas se tratava de “um caso de plágio” da solução inicial de Medina.

Os factos remontam a 23 de março, quando o líder da equipa da Câmara Municipal de Lisboa incumbida da requalificação da Avenida Almirante Reis, o técnico João Castro (arquiteto), apresentou em sessão pública o que designou como “proposta provisória e expedita” para a ciclovia daquela artéria da capital.

No rescaldo dessa apresentação, nas redes sociais, vários munícipes – em contas individuais ou de grupos de cidadãos – manifestaram-se contra esta intenção e acusaram Carlos Moedas de, tão simplesmente, recuperar a primeira versão para aquela ciclovia, ainda da autoria e no mandato de Fernando Medina (e que foi criticada pelo PSD), para além de não cumprir a sua promessa eleitoral de encerrá-la.

A proposta do Executivo de Carlos Moedas é, formalmente, a quarta solução apresentada ou implementada desde 2020 para que as bicicletas tenham uma via própria de circulação naquela que é uma das maiores avenidas de Lisboa.

A primeira versão da ciclovia da Almirante Reis, apresentada pela equipa de Fernando Medina em janeiro de 2020, no contexto do projeto ZER (Zona de Emissões Reduzidas) Avenida-Baixa-Chiado, previa a existência de uma pista bidirecional no sentido descendente (Areeiro-Martim Moniz), com pilaretes a delimitá-la da que passaria a ser a única faixa de circulação automóvel. No sentido ascendente (Martim Moniz-Areeiro) não estava prevista qualquer ciclovia, mantendo-se as duas vias para carros e outros motorizados.

Este projeto não chegou a ser concretizado, em grande medida pelas críticas e alertas oriundas das entidades e profissionais ligados aos serviços médicos ou de bombeiros – designadamente do Centro Hospitalar Lisboa Central (em particular Hospital de São José e Capuchos) – quanto ao risco dos veículos de emergência ficarem retidos no trânsito, na única faixa para circulação automóvel, impedidos de seguir a sua marcha até aos hospitais, isto porque os chamados separadores entre a faixa que lhes ficava adstrita e a ciclovia eram, pela sua altura, intransponíveis ou acarretarem elevado dano para esses veículos os conseguirem transpor.

Em consequência disso, em junho de 2020 a Câmara de Lisboa decidiu avançar com uma segunda opção (a primeira efetivamente implementada): o mesmo conceito da anterior (bidirecional, a ocupar quase integralmente uma das duas faixas de rodagem), mas no sentido ascendente (Martim Moniz-Areeiro). Assim, a ciclovia não tinha qualquer interferência na via descendente.

Esta solução viria, no entanto, a implicar significativa menor fluidez no trânsito automóvel realizado no sentido ascendente. A equipa de Fernando Medina procedeu por isso, em abril de 2021, a nova alteração: a ciclovia deixava de ser bidirecional (instalada apenas no sentido ascendente), passando agora a estar nos dois sentidos (formato duplicado), um de cada lado do separador central.

O percurso ascendente recuperava boa parte de uma faixa de rodagem, o descendente perdia algum espaço, mas em ambos os casos o trânsito não ficava comprometido no caso, por exemplo, de um automóvel ser forçado a parar. Esta terceira opção (segunda executada), atualmente em vigor, alterava também o perfil de delimitação das ciclovias: os separadores de estrutura vertical (vulgarmente conhecidos como pilaretes), com maior altura e menor largura, eram substituídos por obstáculos de estrutura horizontal (segregadores), com maior largura mas muito menor altura, de forma a permitir a circulação dos veículos de emergência em caso de necessidade.

E a solução de Carlos Moedas agora conhecida é a mesma que a primeira proposta de Fernando Medina, já com mais de dois anos?

No essencial, a proposta do atual Executivo liderado por Carlos Moedas projeta a existência de uma ciclovia bidirecional no lado descendente (sentido Areeiro-Martim Moniz), com 2,40 metros de largura e separadores duplos (segregadores, portanto, do mesmo tipo dos atuais) a delimitá-la da única faixa reservada ao trânsito automóvel (que tem limite de velocidade de 30 kms/h). O lado ascendente (sentido Martim Moniz-Areeiro), segundo o projeto apresentando por João Castro no passado dia 23, não terá qualquer ciclovia, ficando as duas faixas de rodagem disponíveis para a circulação do trânsito automóvel.

Na comparação com o primeiro projeto de Fernando Medina (janeiro de 2020, nunca implementado), verifica-se que esta proposta de curto/médio prazo do atual Executivo do município de Lisboa – Carlos Moedas classificou-a, uma semana depois, como “solução imediata” – tem, de facto, o essencial em comum: ser bidirecional e estar disposta no sentido descendente (Areeiro-Martim Moniz).

Em publicação no Facebook recorda-se que Carlos Moedas, na campanha para as eleições autárquicas em 2021, terá prometido acabar com a ciclovia da Avenida Almirante Reis. Confirma-se? E agora que exerce o cargo de presidente da Câmara Municipal de Lisboa, mantém a intenção de cumprir essa suposta promessa? Respondendo à solicitação de leitores, o Polígrafo verifica.

Porém, há uma diferença substancial que as distingue (e justamente que levou à não execução dessa primeira ideia de Fernando Medina): a possibilidade de circulação dos veículos de emergência pela ciclovia no caso do trânsito estar bloqueado ou muito lento na faixa reservada aos automóveis/motorizados (muito restrita ou mesmo inexistente com o projeto de Medina e agora, com Moedas, realizável). O tipo de separadores – agora segregadores – utilizados viabiliza essa valência, já que estes são passíveis de ser galgados, desde que a baixa velocidade.

Quanto à repetição de imagens a que o tweet refere, é falsa. O Polígrafo teve acesso às duas apresentações – a do mandato de Medina/janeiro de 2020 e a do mandato de Moedas/março de 2022 – e não há qualquer imagem/fotografia em comum. A imagem reproduzida no post é uma das duas únicas respeitantes à parte reservada à Avenida Almirante Reis na apresentação do projeto ZER Avenida-Baixa-Chiado, mas não está no documento-base que foi utilizado por João Castro na sessão pública decorrida no Fórum Lisboa, no dia 23 de março.

Em suma, pode dizer-se que a solução provisória de Carlos Moedas para a ciclovia da Avenida Almirante Reis é inspirada no primeiro projeto de Fernando Medina, mas não é a sua reprodução integral, já que apresenta a diferença fundamental de permitir a circulação dos veículos de emergência. Além disso, o tweet sob análise é enganador ao garantir que o Executivo de Moedas recuperou as mesmas fotografias do primeiro projeto de Medina.

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Avaliação do Polígrafo:

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