“Miocardite e pericardite são causadas apenas pelas vacinas e não pela COVID-19, concluem estudos”, escreve o grupo “Médicos Pela Vida” numa publicação feita no dia 24 de outubro. O tweet remete para um artigo no site do grupo em que são apresentados cinco estudos, de quatro origens diferentes, que, alegadamente, comprovam a tese veiculada na publicação.
Nesse site lê-se que há “fortes evidências” de que a “miocardite e pericardite são causadas pela vacina de mRNA e não pela infecção por Covid-19”.
Mas será mesmo assim?
Para começar, a fonte desta alegação não é isenta. Trata-se de uma associação criada durante a pandemia que defende o “tratamento precoce” e medicamentos como a hidroxicloroquina contra a Covid-19 e que já foi, inclusive, “condenada por propaganda pró-cloroquina”, como noticiou o jornal “Estadão”.
O Polígrafo verificou, estudo a estudo, se se confirmava a premissa, mas em nenhum se conclui que a miocardite e pericardite são causadas apenas pelas vacinas. Aliás, até ao momento não há literatura científica publicada que alinhe com esta narrativa.
- Primeiro estudo com origem em Israel, o grupo destaca a seguinte frase: “Não observamos aumento na incidência de pericardite ou miocardite em pacientes adultos que recupetam da infeção por Covid-19”.
Ora, este estudo foi revisto por pares em abril de 2022 e abrangeu um universo de 196.992 adultos não vacinados observados após infeção por Covid-19 comparando-os com população que nunca foi infetada. Concluiu-se que a infeção por Covid-19 não estava associada a um aumento significativo nos casos de miocardite ou pericardite, mas era deixada a seguinte advertência: “Serão necessários mais estudos a longo prazo para estimar a incidência de pericardite e miocardite em pacientes diagnosticados com Covid-19.”
- Segundo estudo: Tem origem na Arábia Saudita, foi publicado em 2022, e é uma análise de autópsias em pacientes que morreram devido à Covid-19, observando particularmente as complicações cardíacas associadas à infeção. Foram identificadas diversas patologias cardíacas, como a necrose miocárdica, edema, hipertrofia, e fibrose. Embora muitos casos tenham revelado a existência de invasão viral no miocárdio, a ocorrência de miocardite foi considerada rara. Tal verifica-se na conclusão do estudo em que se aponta “alta prevalência de patologias cardíacas agudas e crónicas na Covid-19 e tropismo cardíaco do SARS-CoV-2, bem como a baixa prevalência de miocardite”.
Este estudo apenas determina que a própria infecção por SARS-CoV-2 pode resultar em alterações cardíacas significativas, ou seja, o próprio vírus pode levar a consequências cardíacas em alguns pacientes.
- Terceiro estudo apontado, dos Estados Unidos, analisa casos de miocardite fatal após vacinação contra Covid-19 através de autópsias. O estudo conclui que a miocardite pode ocorrer como efeito adverso fatal, particularmente em jovens, após vacinas de mRNA. No entanto, esse risco já tinha sido assumido em 2021 do Comité de Avaliação do Risco em Farmacovigilância da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) ao confirmar “o risco de miocardite e pericardite”, sendo que “a ocorrência destas reações é muito rara”.
Outro estudo, este realizado pelo Departamento de Cardiologia do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, admite que a “miocardite aguda autolimitada pode ser um efeito adverso potencial e raro das vacinas de mRNA contra a Covid-19”. Ainda assim, e apesar dessa ser uma possibilidade (que já tinha sido assumida pela EMA), “a análise de risco-benefício para a imunização contra a Covid-19 mostra um efeito benéfico consistente em todos os grupos”.
- Chegando ao quarto estudo, é destacada uma frase que diz que “entre adolescentes e crianças, miocardite e pericardite foram documentadas apenas nos grupos vacinados”. No entanto, o estudo – que não foi revisto por pares – observou que essas ocorrências foram muito raras. Além disso, ao jornal de fact-checking Comprova, Edward Parker e William J. Hulme, dois investigadores envolvidos no estudo, indicaram que as suas conclusões foram distorcidas e que não foi estabelecida relação de causalidade entre as doenças e as vacinas.
Por fim, o último trabalho citado faz uma análise a 333 jovens diagnosticados com miocardite associada à vacina contra Covid-19, comparando-os com 100 casos de síndrome inflamatória multissistêmica (MIS-C). Em momento algum conclui que a miocardite e pericardite são causadas apenas pelas vacinas.
Há ainda a apontar que o estudo “Myocarditis in SARS-CoV-2 infection vs. Covid-19 vaccination: A systematic review and meta-analysis”, publicado pela editora científica Frontiers, mostra que o risco de miocardite é sete vezes maior em pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2 do que naquelas que receberam a vacina.
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Avaliação do Polígrafo: