O valor é repetido há meses. Chegou a sair num comunicado oficial do Ministério da Educação, de 14 de junho deste ano, depois de Fernando Alexandre, o ministro da tutela, apresentar um conjunto de 15 medidas de emergência para prevenir que os alunos ficassem sem aulas durante períodos prolongados ao longo do ano letivo 2024/2025. Mesmo sendo um número impressionante, foi passando despercebido até ao início da manhã de ontem, quando João Costa, ex-ministro da Educação, atendeu a um requerimento do Chega para ser ouvido a propósito de alegadas irregularidades na colocação de professores no âmbito dos concursos interno e externo.
Na Assembleia da República, João Costa desmentiu Fernando Alexandre: “O atual Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) tem repetido um número que alegadamente seria de alunos sem professor (324.228) e que, objetivamente, não corresponde à verdade.” Sem saber, o antigo governante recorria aos mesmos dados do Ministério para argumentar que, “no final da segunda reserva de recrutamento, os alunos sem professor a pelo menos uma disciplina eram 72.894”.
Mas se ambos se basearam nos dados oficiais da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), a que o Polígrafo teve acesso, onde ficam os restantes 251 mil alunos que o atual ministro garante que fazem parte deste indicador?
Importa dizer o seguinte: ambos os valores estão empolados, já que somam, a cada semana, os alunos sem docente a pelo menos uma disciplina da semana anterior. Isto significa que no total geral, a cada ponto de situação, se incluem vários alunos repetidos.
De uma forma mais simples: entre 4 e 25 de agosto, a DGEstE contabilizou 5.130 alunos sem professor a pelo menos uma disciplina; na semana de 25 de agosto a 1 de setembro, eram já 26.168 alunos nesta situação. Neste último valor, incluem-se, naturalmente, os alunos que, entre 4 e 25 de agosto, já não tinham aulas a essa disciplina e cuja situação não foi resolvida. Resultado: a soma final é pouco precisa.
Ainda assim, a verdade é que, na primeira semana do ano letivo 2023/2024 (de 15 de setembro a 22 de setembro), havia 71.431 alunos sem professor a pelo menos uma disciplina.
A origem do valor mencionado por João Costa está no período anterior (entre 4 de agosto e 15 de setembro). O número – 72.894 – é, como dissemos, empolado, uma vez que corre o risco de somar consecutivamente os mesmos alunos. Com os dados da DGEstE, é impossível calcular o número de alunos nesta situação sem os repetir, o que torna difícil argumentar se o montante é muito menor do que aquele que conhecemos.
A lógica do Ministério de Fernando Alexandre é, contudo, ainda mais empolada. Vejamos: o gabinete soma três valores para argumentar – num novo indicador que não é o referido no comunicado de junho ou nas comunicações mais recentes – que “os critérios para apurar o número de alunos sem aulas são muito diversos” e que “o número de 324 mil alunos referido pelo MECI diz respeito a alunos que estiveram sem aulas a uma disciplina, em algum momento, durante o mês de setembro”.
Desde logo, em causa estão dois indicadores distintos: o ministério passou de dizer que “no início do ano letivo 2023/2024, 324.228 alunos estavam sem aulas a uma disciplina” para afirmar que “324 mil alunos estiveram sem aulas a uma disciplina, em algum momento, durante o mês de setembro”. Nos dois casos, a tutela erra redondamente.
Se por “início do ano letivo 2023/2024” entendermos a primeira semana de aulas (de 15 de setembro a 22 de setembro), então, como já vimos, havia nessa altura 71.431 alunos sem professor a pelo menos uma disciplina. Mesmo se contabilizarmos – assumindo o erro de repetição – todos os alunos que desde 4 de agosto até 22 de setembro estiveram sem professor a pelo menos uma disciplina, o número atinge os 144.515 alunos (menos de metade face ao valor apresentado pelo atual Ministério).
Com o esclarecimento enviado pelo MECI às redações, a tutela cria um problema ainda maior: é que para chegar aos 324 mil alunos que alegadamente estiveram sem aulas a uma disciplina, em algum momento, durante o mês de setembro, o gabinete de Fernando Alexandre juntou no mesmo cálculo não só os alunos cuja situação se prolongou ao longo de mais de uma semana como também aqueles que logo em agosto viram a sua situação resolvida.
A forma mais simples de explicar este cálculo é a seguinte: a DGEstE fez, em 2023, pontos de situação a 22 de setembro, 29 de setembro e 6 de outubro. A cada atualização dos dados, o total geral (que, como vimos, já era empolado) diminui, uma vez que o problema de um determinado número de alunos vai sendo resolvido. Ora, quando o Ministério soma os três resultados gerais destes três pontos de situação, acaba por incluir nas suas contas alunos cujo problema se mantém, somando-os repetidamente, resultando nos mais de 320 mil “alunos” sem aulas a pelo menos uma disciplina ao longo do mês de setembro.
Por estes dois motivos (mudança no indicador e cálculos incorretos), o Polígrafo classifica como falsa a declaração de Fernando Alexandre.
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Avaliação do Polígrafo: