- O que está em causa?Miguel Tiago, antigo deputado do PCP, afirmou no Twitter que uma dezena e meia de milhares de habitantes do Donbass foram mortos na guerra civil que eclodiu há oito anos. No seu entender, isto configura um "genocídio programado" por parte das autoridades ucranianas. Mas a realidade é bem diferente.

Numa troca de mensagens, na rede social Twitter, sobre a invasão e bombardeamento da Ucrânia por parte da Rússia, o ex-parlamentar comunista Miguel Tiago foi interpelado desta forma: “A partir do momento da invasão, nada disto importa. Se não fosse a invasão, havia aquela destruição toda? Mortos pelas ruas? Milhões de refugiados? Estou muito desapontada com a posição do PCP...”

E o ex-deputado do PCP respondeu: “Sim, havia. Nos últimos sete anos, mataram 15 mil habitantes da região de Donbass numa operação de genocídio programado.”

Miguel Tiago referia-se ao conflito armado na região do Donbass, que decorre desde o primeiro semestre de 2014, no qual uma parte significativa da população daquela região pretende a independência da Ucrânia (no que é apoiada pela vizinha Rússia), o que originou à intervenção militar das forças armadas ucranianas que consubstancia uma situação de guerra civil no extremo leste do território do país.
O antigo deputado referia-se – como é perceptível pelo contexto – ao número de vítimas civis, designadamente entre a população da região pró-separatista, não ao total de mortos (civis e militares, de ambos os lados) já provocado pela guerra civil. Questionado pela mesma internauta sobre a fonte daquele número, Miguel Tiago indicou: “Da ONU”.
Em resposta, um outro internauta partilhou o link de um relatório da Unidade de Missão Ucraniana do Alto Comissariado dos Direitos do Homem (um organismo da ONU), de outubro de 2021, com a seguinte estatística: 3.095 mortes de civis relacionadas com o conflito (3.393 se contadas as 298 perdas decorrentes da queda do avião da Malaysian Airlines, atingido por um míssil).
O Polígrafo contactou Miguel Tiago no sentido de esclarecer qual o documento concreto da ONU que suportava a cifra que publicou no Twitter. Resposta do ex-parlamentar: a página em inglês da Wikipédia sobre a guerra no Donbass. E, nessa página em concreto, duas entradas: o site da Rádio Svoboda/Free Europe/Liberty, que refere a existência de 3.393 civis mortos, e uma segunda que é exatamente o mesmo relatório mencionado pelo internauta que colocou os seus números em causa.
As duas fontes contrariam o militante comunista. A primeira (a Rádio Svoboda/Free Europe/Liberty, que emite na Europa Oriental e Ásia Central) é um texto jornalístico elaborado com base nas respostas que a segunda (a Unidade de Missão Ucraniana do Alto Comissariado dos Direitos do Homem) lhe forneceu em fevereiro de 2021. No artigo, é revelado que as baixas resultantes do conflito estarão entre as 13.100 e as 13.300. Mas não se explica a que a que se referem estas baixas.
Porém, se analisarmos o relatório da ONU (a segunda fonte citada por Miguel Tiago ao Polígrafo), encontramos as respostas:
- 3.375 civis mortos (oito meses depois, esse número, conforme já foi citado, era estimado em 3.393)
- 4.150 militares ucranianos
- 5.700 membros de grupos armados pró-russos
Ao Polígrafo, Miguel Tiago admitiu que “podem não ser 15 mil, mas 14”. E reconheceu que poderia ter especificado que esse contingente era referente a todas as vítimas - civis e militares, de ambos os lados da contenda.
A indicação de 15 mil habitantes do Donbass mortos na guerra civil não é, assim, confirmada por qualquer fonte da ONU. E a diferença entre este valor e a realidade - segundo as estatísticas disponíveis, inclusive aquelas apontadas ao Polígrafo pelo próprio antigo deputado do PCP – é manifesta.
Os dados da Unidade de Missão Ucraniana do Alto Comissariado dos Direitos do Homem apontam para 3.095 mortos civis (excluindo os da queda do avião). Ou seja, a tese segundo a qual o Governo ucraniano levou a cabo, desde 2014, “um genocídio programado de 15 mil habitantes da região de Donbass” não encontra qualquer sustentação nos factos.
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Avaliação do Polígrafo:
