Três anos depois de se ter registado em Portugal o primeiro internamento por Covid-19, a ex-ministra da Saúde deu esta quinta-feira, 2 de março, uma entrevista à SIC Notícias. Destaque para as declarações de Marta Temido sobre os privados, que causaram polémica também nesse setor:

"Os operadores do setor privado e social foram absolutamente essenciais na resposta à pandemia. E às vezes até mais solidários com o Serviço Nacional de Saúde do que as próprias entidades do SNS."

Sobre o facto de essa não ser a imagem transmitida à época, Temido negou que o SNS quisesse atuar sozinho e sugeriu: "Há muita coisa que acontece e que é explorada porque interessa politicamente ser explorada."

Afinal, o que pensava Marta Temido sobre os privados? E como lidou com este setor antes, durante e depois da pandemia?

Recuemos até abril de 2020, quando a então ministra da Saúde assegurou que o SNS só pagaria a conta aos privados se os pacientes infetados fossem encaminhados pelo SNS:

"As entidades que operam no setor privado e social podem, se assim o entenderem, e havendo necessidade, [complementar a capacidade do SNS na resposta à Covid-19]. Coisa diferente é aquilo que estas entidades possam ter realizado em termos de atividade assistencial aos seus doentes. O que ninguém entenderia era que o SNS, de um momento para o outro, fosse responsável pelo atendimento dos doentes que, por sua livre vontade, escolheram dirigir-se a um prestador privado."

Em outubro do mesmo ano, depois de uma carta aberta de dois bastonários dos médicos ("ex" e atual) a exigir uma mais significativa intervenção dos hospitais privados na resposta à crise sanitária, Marta Temido afirmava: "Existe colaboração com os privados e o sector social."  Em caso de necessidade, o Estado até contrataria privados. Mas "porque nos estão a empurrar?", perguntava a ministra responsável pela pasta da Saúde.

Apenas um mês depois, em audição conjunta da Comissão da Saúde e da Comissão de Orçamento e Finanças, na Assembleia da República, a ministra da Saúde garantia que não existia nenhuma barreira ideológica que inibisse o Governo de recorrer ao setor privado para aliviar a pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde. Por outro lado, afirmava que "não tem havido resposta da hospitalização privada para os doentes Covid-19". A ministra faltava à verdade: a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) e CUF confirmaram então ao Polígrafo a disponibilização de camas normais e de cuidados intensivos ao SNS.

Salto não muito longo para janeiro de 2021 quando, em entrevista à RTP, Marta Temido já admitia até uma requisição civil dos privados. Mas muito contra a sua vontade: "Eu acredito que há disponibilidade para aprofundarmos esse relacionamento. Contudo, não hesitamos em dizer que se esse aprofundamento não for possível, teremos que tomar medidas extremas, como a requisição civil. Mas isso significa o quê? Que nós recebemos um conjunto de infra-estruturas que não conhecemos, que têm agendas operatórias, de prestação de cuidados... tudo o que seja um bom acordo é preferível a uma situação de conflito."

Quatro meses depois, a 19 de maio, a ministra da Saúde abordou o tema dos hospitais com contratos de PPP numa audição parlamentar. Questionada por Álvaro Almeida, deputado do PSD, sobre porque é que o Governo ia acabar com as PPP's e "desperdiçar 50 milhões de euros do dinheiro dos contribuintes portugueses", Marta Temido respondeu desvalorizando a sua importância e dando como exemplo disso a escassez do seu contributo na luta contra a Covid-19.

"Os contratos de parceria público-privada de que temos vindo a dispor, claramente, não asseguram a dinâmica de resposta às necessidades assistenciais da população. Isso é claro quando, no dia a seguir à assinatura do contrato, ele se encontra já desatualizado para a resposta a essa mesma dinâmica. Isso é claro quando nos confrontamos com circunstâncias como a resposta às necessidades assistenciais, por exemplo, da Covid-19", afirmou Temido.

Um mês antes, a 7 de abril, a ministra tinha, em mais uma contradição, enviado uma carta à administração de cada uma das três PPP – Cascais, Loures e Vila Franca de Xira - a elogiar o seu contributo precisamente no que respeita ao combate à Covid-19. "Ao Hospital Beatriz Ângelo: Em reconhecimento pelo trabalho desenvolvido e pelo excecional empenho dos seus profissionais de saúde no âmbito da resposta à Covid-19. Lisboa, 7 de abril de 2021", lia-se numa das cartas de agradecimento.

Por fim, e se pretendermos recuar ainda mais na linha cronológica até 2018, Temido e o Partido Socialista (PS) foram os grandes responsáveis pelos problemas com Maria de Belém, antiga ministra da Saúde e então Presidente da comissão de revisão da Lei de Bases da Saúde, por apresentarem uma nova proposta, aprovada em 2019, que revogava o decreto das parcerias público-privadas, eliminando o apoio ao "desenvolvimento do setor privado da saúde em concorrência com o setor público". Para isso, previa-se o fim do apoio do Estado "à facilitação de mobilidade de profissionais entre o setor público e o setor privado", evoluindo-se "progressivamente para a criação de mecanismos de dedicação plena ao exercício de funções públicas".

Sobre esta nova Lei, Marta Temido disse no Parlamento, a 23 de janeiro de 2019, que a proposta do Governo visava "reforçar o papel do Estado e clarificar as relações com o privado e o social", afirmando que esta "manifesta uma preferência por uma gestão pública" e que, assim sendo, a "contratação de serviços dos privados e do setor social" passaria a ficar "sujeita à avaliação das necessidades" no Serviço Nacional de Saúde.

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