- O que está em causa?A propósito do surto do Covid-2019, Marques Mendes afirmou, no Jornal da Noite da SIC, que o internamento obrigatório não era permitido pela Constituição da República Portuguesa em casos de doenças contagiosas. Estará correto? Verificação de factos.
No seu comentário habitual de domingo no Jornal da Noite da SIC, Luís Marques Mendes sublinhou, a propósito do surto do Covid-2019, que os partidos se deviam debruçar sobre a Constituição da República Portuguesa (CRP), uma vez que esta, aparentemente, não permite o internamento obrigatório em casos de situações de emergência de saúde pública.
"Não é nada contra ninguém, é na defesa da sociedade e das pessoas. Acho que era bom fazer uma revisão cirúrgica da CRP tão rápido quanto possível, porque mais vale prevenir que remediar", concluiu.
Mas será verdade, de facto, que a CRP não prevê o internamento compulsivo em casos de epidemias? Verificação de factos.
A Lei 2036, de 9 de agosto de 1949 (entretanto revogada) decretava o internamento obrigatório de doentes contagiosos. Na Base III, alínea d), podia ler-se: "Compete à Direcção Geral de Saúde determinar o internamento, que será obrigatório, dos doentes contagiosos sempre que haja grave perigo de contágio e não seja possível o tratamento ambulatório ou domiciliário, com as aconselháveis medidas de isolamento e tratamento". Convém porém sublinhar que a CRP vigente era a de 1933.
A Constituição de 1933, no artigo que visava os direitos e garantias dos cidadãos, estabelecia algumas restrições: "A especificação destes direitos e garantias não exclui quaisquer outras constantes da CRP ou das leis, entendendo-se que os cidadãos deverão sempre fazer uso deles, sem ofensa dos direitos de terceiros, nem lesão dos interesses da sociedade ou dos princípios da moral". Em suma, a legislação em causa estava de acordo com o vigente na CRP da altura.
A CRP atual, de 1976 só consagra o internamento compulsivo num único caso: anomalia psíquica. No artigo 27º, alínea h, pode ler-se: "Excetua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes: internamento do portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente." O internamento compulsivo é regulado pela Lei de Saúde Mental.
A lei de 1949 foi entretanto substituída pela Lei nº 81/2009 que criou o Sistema Nacional de Vigilância Epidemológica que "identifica situações de risco, recolhe, atualiza, analisa e divulga os dados relativos a doenças transmissíveis e outros riscos em saúde pública, bem como prepara planos de contingência face a situações de emergência ou tão graves como de calamidade pública". Porém, esta mesma lei não decreta em momento algum o internamento obrigatório de pessoas com doenças contagiosas.
Luís Marques Mendes, no seu comentário no Jornal da Noite, estava correto. A CRP não permite o internamento compulsivo por doenças infecciosas.
Avaliação do Polígrafo: