Em entrevista ao jornal digital “Eco”, publicada hoje, a eurodeputada Marisa Matias, do Bloco de Esquerda (BE), foi questionada sobre a posição do partido em relação ao euro. “O BE sempre disse e mantém que não devemos estar disponíveis para fazer mais sacrifícios em nome do euro. Isso significa que são precisas reformas profundas porque os objetivos que estão inseridos na política do euro reforçam, pela própria arquitetura do euro, os desequilíbrios macroeconómicos e não promovem a coesão. Por isso, tivemos nestes 20 anos uma divergência em relação à média europeia e às economias excedentárias, e o espelho desses excedentes é o défice nos outros países”, começou por responder Matias.
“É uma análise factual”, prosseguiu. “Economistas de esquerda ou de direita, todos identificam as falhas da arquitetura do euro. No recente vigésimo aniversário [do euro], surpreenderam-se com o facto de ter durado tanto tempo e sobrevivido à crise financeira e económica. É uma moeda que não favorece a coesão económica, social e territorial. Quando foi a crise grega e a chantagem das instituições europeias, o Bloco endureceu a sua posição em relação ao euro, naquela conjuntura. O povo grego foi ameaçado e amordaçado, houve depois cedências inaceitáveis da parte do governo grego. A Grécia teve que pagar um preço elevadíssimo para se manter no euro. O que defendemos nessa altura é que qualquer país sob chantagem não devia fazer sacrifícios que destruíram completamente a economia, levaram a mais privatizações, a mais cortes nos salários e nas pensões e pobreza”.
E depois concluiu: “Dito isto, não defendemos a saída do euro, nunca o fizemos. Muitas vezes o que se tenta fazer é confundir [isto com] uma posição conjuntural do BE justificada porque o preço para a Grécia e para a UE foi inaceitável”.
A afirmação segundo a qual o BE não defende (e nunca defendeu) a saída do euro está a gerar controvérsia nas redes sociais, com especial incidência do Twitter. Vários leitores do Polígrafo solicitaram uma verificação de factos.
É verdade que o BE nunca defendeu a saída do euro? Recuando até ao dia 26 março de 2017, deparamos com uma conferência de imprensa no final de uma reunião da Mesa Nacional do BE, em Lisboa, tendo então Catarina Martins anunciado que a resolução aprovada propunha “claramente que, para recuperar a capacidade democrática” do país sobre a economia e a finança, “é urgente preparar o país para o cenário de saída do euro ou mesmo de fim do euro”.
“Numa Europa em degradação, o nosso país não pode ficar alegremente no pelotão da frente para o abismo europeu e tem de ter capacidade de defender a capacidade produtiva da sua economia, o seu emprego e o seu Estado Social”, declarou a líder do BE, segundo relatou na altura a Agência Lusa.
Há que ter em atenção a diferença entre defender a saída do euro e defender a preparação para a eventualidade do fim do euro ou saída do euro. No caso da resolução aprovada em março de 2017, o BE atravessou essa linha
Pouco tempo antes, a 23 de janeiro de 2017, em entrevista ao jornal “Público”, Martins já tinha apontado no mesmo sentido:
“O PCP no Congresso aprovou uma campanha para renegociação da dívida e para preparar a saída do euro. Como é que é? O BE vai ficar a ver o PCP a fazer uma campanha? Ou também vão ter iniciativas neste domínio?”
Estamos muito empenhados neste primeiro trimestre, do ponto de vista de campanha pública, na questão da precariedade. Temos estado a fazer sessões no país com precários da função pública de várias áreas, de vários sectores, levantando questões de precariedade também no privado. Não significa que o BE não vá fazer o trabalho, pensamento, reflexão com economistas e não só, em Portugal e na Europa, sobre as questões do euro e sobre as questões da dívida. Temo-lo feito. Temos participado um pouco mais activamente nas discussões do Fórum Europeu de debate do chamado “Plano B”, que hoje aparece mais como um campo onde se discute verdadeiramente o que é que vai acontecer ao euro. Acho que não há ninguém na Europa que hoje aposte muito na sustentabilidade do euro.
Mas o BE aproxima-se do PCP na questão da saída do euro?
Achamos que o país não deve limitar a sua economia ou destruir a sua capacidade produtiva em nome de uma moeda, que é um problema e não um instrumento da economia.
E isso quer dizer o quê, na prática?
Depois do que acontece na Grécia, qualquer país europeu que se leve a sério deve estar preparado para o fim do euro ou para sair do euro”.
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Há que ter em atenção a diferença entre defender a saída do euro e defender a preparação para a eventualidade do fim do euro ou saída do euro. No caso da resolução aprovada em março de 2017, o BE atravessou essa linha, defendendo mais claramente a necessidade (e não apenas a preparação para a eventualidade) de saída do euro. Pelo que a afirmação de Matias tem que ser classificada como falsa.
Avaliação do Polígrafo: