O primeiro jornal português
de Fact-Checking

Mário Soares pisou, rasgou ou queimou a bandeira de Portugal na década de 1970?

Política
O que está em causa?
Na sessão evocativa que assinalou o centenário do nascimento de Mário Soares, em Lisboa, o seu filho João Soares criticou "algumas narrativas falsas que por aí continuam e vão aparecendo. Ele foi e ainda é vítima das maiores calúnias na nossa vida política. Montadas pela ditadura e suas forças obscuras mas não só".
© Agência Lusa / Tiago Petinga

É uma alegação antiga, difundida sobretudo em páginas ligadas a movimentos de extrema-direita, mas tem resistido à passagem do tempo e ainda hoje continua a circular na Internet, em geral, e nas redes sociais, com especial incidência.

Na sessão evocativa que assinalou o centenário do nascimento de Mário Soares, ontem (7 de dezembro) em Lisboa, o seu filho João Soares criticou “algumas narrativas falsas que por aí continuam e vão aparecendo. Ele foi e ainda é vítima das maiores calúnias na nossa vida política. Montadas pela ditadura e suas forças obscuras mas não só”.

Nomeadamente a história da bandeira nacional. João Soares disse ter ouvido recentemente na rádio “uma calúnia miserável que tem sido repetida”, de que Mário Soares teria pisado a bandeira de Portugal na década de 1970. “Uma falsidade absoluta de paralelo com as mentiras caluniosas sobre a descolonização ditas por um representante da extrema-direita no nosso Parlamento anteontem. Mentiras absolutamente miseráveis“, acusou.

O Polígrafo já sinalizou essa falsidade da bandeira pisada ou queimada, mas o facto é que continua a ser difundida. Verifica-se aliás uma nova vaga de desinformação nos últimos dias em que Mário Soares voltou a sobressair na atualidade política e informativa.

Apesar de existirem diferentes versões, o essencial da história é que Mário Soares terá pisado a bandeira nacional da República Portuguesa, em 1973, no decurso de uma manifestação em Londres, contra a visita de Marcello Caetano – então nas funções de Presidente do Conselho de Ministros de Portugal – ao Reino Unido.

Outras versões da história indicam que foram queimadas bandeiras nacionais nessa manifestação, com a participação ativa de Soares. E também há quem acuse Soares, opositor ao regime do Estado Novo, de ter cuspido na bandeira.

Marcelo Caetano

Começando pela manifestação em causa de 1973, é um facto que ocorreu e contou com a presença de Mário Soares que, na altura, estava exilado em França. No arquivo da RTP é possível aceder a algumas filmagens dessa manifestação, nas quais não se vislumbra qualquer bandeira nacional da República Portuguesa e muito menos a ser queimada, pisada ou cuspida por qualquer manifestante.

Apenas e só cartazes contra a ditadura, o fascismo e o colonialismo do Estado Novo.

No arquivo “Ephemera”, desenvolvido pelo historiador José Pacheco Pereira, encontram-se mais filmagens da manifestação e também material de propaganda da mesma, sem qualquer vestígio de profanação da bandeira nacional. Nessas filmagens comprova-se a presença de Mário Soares na manifestação. Em vez da bandeira nacional, destacam-se sobretudo cartazes com mensagens políticas, em português e inglês.

mario soares

Por outro lado, Mário Soares negou essa história em várias ocasiões, nomeadamente na entrevista à jornalista Maria João Avillez que foi publicada em livro intitulado como “Mário Soares: Ditadura e Revolução”. Nessa entrevista, Soares foi peremptório: “Um patriota e um republicano, como eu sou e sempre fui, nunca iria pisar a bandeira da República, que nunca foi a bandeira do salazarismo”.

Questionado pelo Polígrafo, o jornalista Joaquim Vieira, autor de uma biografia sobre o antigo Presidente da República, sublinha que “não há confirmação dessa alegação. E creio que até já houve a condenação de uma aluna da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, por queixa do próprio Soares, quando ela lhe fez essa acusação numa sessão na Faculdade de Direito. Soares desmentiu várias vezes, dizendo que, sendo republicano, não iria pisar a bandeira republicana. E não há nenhum testemunho de que isso aconteceu. A PIDE era useira e vezeira em inventar este tipo de fake news, mas também não sei se tem reponsabilidades na divulgação desta história. Não me admiraria”.

____________________________

Avaliação do Polígrafo:

Partilhe este artigo
Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn

Relacionados

Em destaque