Mário Soares ajudou Ricardo Salgado a comprar o Banco Espírito Santo (BES)? É uma alegação que circula nas redes sociais desde há largos anos, através de diversas publicações com recurso a textos ou vídeos. Entre as mais recentes e mais partilhadas, destaque para uma da página “A Voz da Razão”, com o seguinte título: “Soares moveu montanhas para ajudar Salgado a ser o dono disto tudo”.
A publicação começa por difundir um vídeo em que o próprio Soares, em entrevista à RTP1, assumiu ter ajudado Salgado a comprar o banco que a família Espírito Santo tinha perdido nas nacionalizações de 1975, pós-revolução de 25 de abril de 1974. Na entrevista, Soares conta uma conversa que manteve com Salgado, em 1984, pouco tempo antes do regresso da família Espírito Santo a Portugal.
“O banco [referindo-se ao Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa] está nacionalizado, os bancos foram nacionalizados, mas nós agora estamos a desnacionalizar esses bancos, portanto você pode perfeitamente tomar conta do seu banco. Ah, mas eu tenho falta de dinheiro! E eu disse: Arranja-se, isso é fácil! E falei com François Mitterrand, de quem eu era amigo, como se sabe, até ao fim da vida, grande amigo, e perante essa situação eu disse-lhe: Olhe, há isto assim e assim, como é que se pode arranjar dinheiro a um tipo que não tem, mas poderá vir a ter, etc. Ele disse que pode ser um banco francês que pode dar um jeito a isso”, afirmou Soares. Esse banco francês seria o Crédit Agricole.
O próprio Salgado também reconheceu publicamente a ajuda de Soares na recuperação da posse do banco. No livro “O Último Banqueiro – Ascensão e Queda de Ricardo Salgado” (Lua de Papel, 2014), das jornalistas Maria João Babo e Maria João Gago, recorda-se a cerimónia da entrega da Legião de Honra francesa ao presidente do BES, Salgado, que decorreu na sede do banco, em Lisboa, no dia 8 de novembro de 2005. “Entre os poucos presentes estava Mário Soares. Ao referir o papel do ex-Presidente da República na reconstrução do grupo, Salgado emocionou-se. Recordou que, sem a ajuda de Soares, a família não teria regressado a Portugal e fortalecido a aliança com o parceiro que esteve ao seu lado nas duas últimas décadas. Foi graças a Mário Soares que o clã Espírito Santo se aliou ao Crédit Agricole para ir a jogo na privatização do BES. E o apoio financeiro do grupo francês foi decisivo para a recuperação do banco que a família tinha perdido nas nacionalizações de 1975”, descrevem as autoras do livro, baseando-se em factos históricos e documentados em várias fontes.
“O regresso fez-se com a intervenção decisiva de Mário Soares. O então primeiro-ministro intercedeu junto do seu amigo François Mitterand, na altura presidente de França, para encontrar um parceiro estratégico que ajudasse os Espírito Santo a reafirmarem-se como a família de banqueiros em Portugal. Ainda antes da privatização do BES, o grupo uniu-se ao Crédit Agricole para fundar em 1986 o Banco Internacional de Crédito, que marcou o regresso do clã aos negócios financeiros em Portugal. Mas o grande objectivo era recuperar o banco que ostentava o nome da família”, explicam.
Como é que esse processo se concretizou? No mesmo livro reporta-se que “em 1985, o grupo [Espírito Santo] lançou o primeiro projeto no setor financeiro em Portugal com a compra de uma sociedade de investimento, que mais tarde daria origem ao BES Investimento. No ano seguinte, fundou o Banco Internacional de Crédito, que marcou o início da aliança com o Crédit Agricole no mercado português. Mas o foco estava nas privatizações. Foi com o parceiro estratégico francês que em 1989 e 1990 recuperaram a companhia de seguros Tranquilidade. Em Julho do ano seguinte os dois aliados avançaram para o BES. […] Foi já sob o comando de Ricardo Salgado que a parceria da família com o Crédit Agricole se transformou num casamento que havia de durar mais de duas décadas. Para concorrerem à privatização do BESCL – Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa – designação que só havia de mudar para BES em 1999 -, os dois grupos criaram a Bespar, uma sociedade que até 2014 será a maior acionista do banco. Exatamente com o mesmo equilíbrio de forças. Foi esta holding que garantiu que a família passasse a ter uma posição de domínio no banco, apesar de, direta e indiretamente, ter apenas cerca de 5%. O Crédit Agricole foi o passaporte que assegurou aos Espírito Santo o controlo do BES”.
Em suma, é verdade que Soares ajudou Salgado, ou mais precisamente a família Espírito Santo, a regressar a Portugal em 1985 e, posteriormente, a concorrer à privatização do BESCL, recuperando assim a posse do banco que tinham perdido em 1975, através dos processos de nacionalizações de bancos. As publicações que apontam para este facto histórico, em geral, referem também que, mais recentemente, Salgado financiou a Fundação Mário Soares. Essa informação também é verdadeira.
No final de 2014, o jornal “Correio da Manhã” analisou as contas da Fundação Mário Soares e apurou que o seu maior financiador desde 2011 era o BES, presidido por Salgado. Através de dois contratos por mecenato, o banco doou à instituição do ex-Presidente da República um total de cerca de 570 mil euros. Na altura foi também salientado que faltaria pagar uma prestação do contrato mais recente, no valor de 100 mil euros. Em 2013, a seguir ao BES, os maiores mecenas da Fundação Mário Soares foram o Banco Português de Investimento (BPI) e o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Avaliação do Polígrafo: