Em dia de Portugal, duas bandeiras a registar o momento: uma compõe o fundo da fotografia onde surge Mário Machado, a outra acompanha a descrição escolhida pelo mesmo. "Diretamente do baú e nunca antes partilhada. Almoço de 10 de junho de 1995", escreve o conhecido líder dos Skinheads de extrema-direita em Portugal, num tweet partilhado ao início da tarde de domingo, 28 de fevereiro.

Não fosse a data, esta seria apenas mais uma recordação dos seus tempos de jovem. Mas horas depois do registo, Machado e outros 16 homens, constituídos arguidos, saíam à rua com um propósito: fazer valer o "dia da Raça", desferindo violentas agressões contra um grupo de negros. Nessa noite morreu Alcindo Monteiro.

Um ato motivado por uma "vertente racista" que "está sempre presente". É o acórdão de 1997 do Supremo Tribunal de Justiça que o diz. "Os arguidos estão ligados ao movimento de Skinheads em Portugal. Este grupo de pessoas tem em comum o culto por determinadas ideias - nacionalismo e racismo - com as quais, de uma forma mais ou menos interiorizada, simpatizam. Exaltam o nacionalismo, o fascismo e o nazismo. Salazar e o seu regime são apontados como um modelo a seguir. A vertente racista está sempre presente. Apelam a superioridade da raça branca considerando a raça negra como raça inferior. Em termos gerais, de acordo com uma política a que chamam 'racialismo' não admitem a mistura de raças; são contra a imigração para Portugal de indivíduos de raça negra, nomeadamente os originários das ex-colónias. Defendem a expulsão do território nacional de todos os indivíduos de raça negra e para atingirem esse fim e em nome da 'Nação' e da 'superioridade da raça branca' acham legítimas todas as agressões contra esse grupo de indivíduos".

O destino de Alcindo Monteiro, com 27 anos e natural de Cabo Verde, ficou traçado quando se cruzou com o grupo de Skinheads, identificados ao longo dos dias que sucederam o homicídio. Foram ao todo 17 os arguidos envolvidos nas agressões dessa noite, 11 condenados por homicídio, punidos com penas de prisão entre 16 anos e meio e 18 anos. Os restantes, entre os quais Mário Machado, à data 2º Cabo da Polícia Aérea da Força Aérea Portuguesa, foram condenados por agressões a penas entre três anos e meio e quatro anos e nove meses. Ficou estipulado o pagamento de 18 mil contos à família de Alcindo Monteiro. Os pais já morreram, o dinheiro nunca foi pago.

Quanto a Machado, ao longo do acórdão é-lhe atribuída a posse de um "pau semelhante a um taco de baseball" e, em co-autoria material e concurso real, cinco crimes de ofensas corporais com dolo de perigo. Uma delas com o referido objeto, como se pode ler no acórdão, acompanhadas de gritos e ofensas: "Enquanto agrediam o ofendido, estes 15 arguidos iam gritando: 'Este é preto, mata-o!'; 'Filho da puta'; 'Preto'; 'Vai para a tua terra que isto aqui não é lugar para ti'".

Machado é descrito, a par com a maioria dos restantes envolvidos, como delinquente primário que denota "completa ausência de arrependimento". A violência das agressões e do homicídio ficou, de resto, comprovada. "Bem sabiam os arguidos intervenientes em cada uma das agressões a ofendidos acima descritas que os objetos que utilizaram (soqueiras, paus, botas militares e outras com biqueiras em aço, garrafas partidas, ferros) revestem características que, quando usados da forma referida, são aptos a causar lesões susceptíveis de provocar a morte aos atingidos ou colocá-los em risco de vida ou de causar uma grave ofensa à sua integridade física. E que todos iriam fazer uso desses objetos, o que queriam, conformando-se com o resultado das agressões praticadas com os mesmos".

Há 25 anos, na noite de 10 de junho e madrugada do dia seguinte, Lisboa foi palco de um ataque motivado pelo racismo e pelo ódio. Mais de 10 pessoas foram parar ao hospital com ferimentos graves. Uma das vítimas não resistiu. Ao almoço, Mário Machado foi fotografado, registo que trouxe agora para a esfera pública. Durante a madrugada foi levado pela polícia. Viria a cumprir dois anos e seis meses de prisão pelo envolvimento num crime racial que levou à morte de Alcindo Monteiro.

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