Mariana Mortágua subiu ao púlpito da Assembleia da República na tarde de ontem, 4 de maio, para afirmar, referindo-se ao Governo, que “o primeiro risco vem da banalidade da mentira”.
“Esta legislatura iniciou com uma grosseira mentira. Para impedir a atualização legal das pensões, a ministra da Segurança Social apresentou ao Parlamento números falsificados anunciando que o cumprimento da lei tiraria 13 anos de sustentabilidade à Segurança Social”, garantiu a deputada do Bloco de Esquerda (BE).
Mortágua lembrou ainda que o primeiro-ministro “prometeu uma catástrofe se o valor real das pensões não fosse reduzido no futuro” e que, “passadas três semanas, o Orçamento do Estado mostrava que a ministra tinha escondido 2 mil milhões nas contas“.
Assim, considerou que “face a este gigantesco embuste, a mentira de João Galamba até pareceria menor”, destacando as recentes polémicas que levaram o ministro das Infraestruturas a pedir a demissão, apesar de António Costa a ter recusado. A deputada ressalvou, no entanto, que esta mentira não é menor, “porque é uma entre muitas”.
Tem razão quando lembra a afirmação de Ana Mendes Godinho e os tais “números falsificados”?
A 8 de setembro de 2022, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social sustentou, no Fórum TSF, que se o Governo aplicasse a fórmula automática no aumento das pensões, em linha com a inflação, tal significaria pôr em risco a sustentabilidade da Segurança Social.
“Se aplicássemos diretamente a fórmula, sem mais nenhum critério, perderíamos automaticamente, logo em 2023 cerca de 13 anos.(…) Nenhum de nós aceita e compreende estarmos a colocar em risco a sustentabilidade [da Segurança Social] sem que isto seja bem avaliado, até para perceber como vai ser o ano de 2023″, afirmou.
No início dessa semana de setembro do ano passado, António Costa tinha anunciado que os pensionistas e reformados iriam receber, em outubro, meia pensão extra para “recuperar o poder de compra” perdido decorrente da inflação. Medida amplamente criticada já que no início de 2023, os pensionistas passariam a ter um um aumento entre 4,43% e 3,53% em função do valor da sua pensão. Ou seja, não se iria aplicar o cálculo programado para o aumento das pensões – a rondar os 8%.
Recentemente, a 17 de abril, Costa anunciou novo aumento das pensões de 3,57% a partir de julho. O aumento veio compensar a atualização mais baixa decidida para 2023, em vez da atualização que estava legalmente prevista. Costa reforçou, mesmo com a reposição do aumento, que em outubro “não houve truque, não houve ilusão” e que “não houve corte nas pensões”.
Ora, a 30 setembro de 2022, o Polígrafo já tinha classificada como verdadeira a afirmação de Catarina Martins de que um documento do Governo tinha esquecido €1.300 milhões de receita” da Segurança Social.
As contas do Governo tinham sido enviadas ao Parlamento depois de os partidos terem exigido a apresentação dos cálculos em que o Executivo se baseava. O Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP), integrado no MTSS, que elaborou o documento, simulava o que aconteceria se a fórmula automática de actualização das pensões fosse aplicada em 2023. Neste documento as receitas correntes correspondiam a 22.147 milhões de euros.
No entanto, tal como já tinha informado o “Jornal de Negócios”, no dia 20 de setembro, as projeções de impacto da lei de atualização de pensões entregues no Parlamento só consideravam a despesa, ignorando a evolução da receita. De acordo com cálculos realizados por Armindo Silva, economista e perito nomeado na Comissão para a Sustentabilidade da Segurança Social, previa-se chegar ao final do ano com mais 1.300 milhões de euros em receita do que a que estava orçamentada.
Duas semanas depois, a 12 de outubro de 2o22, José Soeiro, deputado do BE, repetia no “Expresso” que Mendes Godinho quis “omitir o aumento de receitas para manipular os termos do debate público, agitando o fantasma da ‘insustentabilidade'”.
“A trapaça foi confirmada pelo relatório que consta da proposta de Orçamento do Estado [para 2023] entregue esta semana no Parlamento. Fica demonstrado que, com um aumento de 8% nas pensões, os saldos seriam positivos em 2023 em mais de 2 mil milhões de euros”, garantia o deputado na crónica. Ora, no relatório citado, na página 26, é de facto apresentado um valor de receita na projeção da conta da segurança social de 24.174 milhões de euros. Ou seja, mais 2 mil milhões de euros do que a projeção apresentada aos deputados no Parlamento, semanas antes.
“Claro que o cenário de sustentabilidade no OE’23 está influenciado pela própria decisão do corte, mas nunca com estas diferenças. O ‘estudo’ apresentado em setembro não considera aumentos da receita, ignorando o que já se sabia de 2022 (os tais 1300 milhões acima do previsto) e sem projectar os aumentos nos próximos anos (efeito da inflação, crescimento económico e novos contratos). Umas semanas depois as contas já incluíam tudo e mostravam que o aumento de 8% das pensões não tinha o efeito que agitaram”, explica fonte oficial do BE.
No “Expresso”, em outubro de 2022, Soeiro dizia ainda: “Ao arrepio do que foi afirmado, nunca esteve em causa a sustentabilidade do sistema. (…) Atualizar as pensões pela lei de Vieira da Silva não fazia ‘perder 13 anos de vida ao sistema’. Essa justificação era mentira e, ao utilizá-la, o Governo sabia que estava a falsear o debate. Quando inventou, em desespero de causa, esse pretexto para amparar a sua escolha, já era conhecido que as receitas da segurança social tinham crescido.”
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Avaliação do Polígrafo: