Duas fotografias, redes sociais e meia dúzia de minutos: os ingredientes perfeitos de um cocktail explosivo para afundar, ainda mais, a reputação do antigo presidente do Brasil.
A primeira imagem mostra Lula da Silva, entre várias pessoas, agarrado a uma estrutura metálica amarela, como se estivesse a perder o equilíbrio, já a aproximar-se do chão. A legenda faz a história da foto: “Lula bêbedo, mijado, caindo na grama, em Davos durante o fórum. Janeiro 2003”. A descrição do desastre não fica por aqui: “Os assessores e seguranças tiveram o maior trabalho a levá-lo ao hotel para curar o porre. Ele queria ficar fazendo palhaçada”.
A publicação original multiplicou-se no Facebook, no Instagram e no Twitter, com milhares de partilhas. Porém, não veio sozinha. Logo depois, surgiu uma nova fotografia que eleva o escândalo: o ex-presidente, sentado, ao lado de Dilma Rousseff, a imitar uns binóculos com as mãos. Uma montagem em forma de círculo faz zoomna zona genital de Lula, que parece manchada. A fotografia diz pouco, mas a legenda volta a guiar a interpretação dos internautas: “Lula bêbedo, mijado, fazendo caretas em Davos, durante o fórum. Lula dá vexame na Suíça, fica bêbedo, se mija todo e os assessores tiveram que o levar discretamente embora para o hotel. Ministra (Dilma Rousseff) fica profundamente envergonhada.”
O escândalo remonta, alegadamente, ao Fórum Económico Mundial de 2003, e tem tanto de velho, como de mito. O site brasileiro de fact-checking Aos Fatos analisou o caso e concluiu que o único facto realmente verdadeiro é a presença de Lula no encontro. Tudo o resto é mentira e tem requintes de verdadeira malvadez. O antigo presidente não esteve embriagado no encontro, não se urinou, não foi levado em braços para o hotel e não envergonhou rigorosamente ninguém.
As fotografias, as originais, foram, afinal, captadas em 2008 e em 2009. A que faz parecer que Lula está a cair mostra, na verdade, o ex-presidente a passar por baixo de uma cerca, com o objetivo de atalhar caminho, numa visita à cidade de Dianópolis, no Brasil. A imagem em que Lula aparece, sentado, ao lado de Dilma, mostra o então presidente a fazer caretas, numa interação com crianças presentes no evento. A aparente mancha nas calças não passa de uma sombra.
As fotografias foram publicadas, na altura, na imprensa brasileira. Dez anos depois, por já não estarem na memória de quase ninguém, foram manipuladas e apresentadas como verdade, num claro ataque, politicamente engajado, a Lula da Silva, preso desde abril por corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
O que poderá ter motivado o ataque a Lula?
O discurso de Jair Bolsonaro na abertura do Fórum Económico Mundial era aguardado com grande expectativa, mas frustrou muitas expectativas. Durou apenas cinco minutos e quarenta segundos e foi duramente criticado, no território brasileiro e além fronteiras. Bolsonaro foi apontado como o substituto de Trump, ausente, na representação do populismo e apelidado de líder de extrema-direita. O discurso foi descrito como “curto, abstrato” e “dececionante”.
Perante as críticas, muitas também da oposição, os apoiantes de Bolsonaro terão montado este esquema para elevar a participação do atual presidente, diminuindo a de Lula. O argumento: a violação dos deveres e responsabilidades de um presidente em aparições públicas e eventos oficiais.
O ditado popular é antigo: uma mentira dita mil vezes torna-se verdade. Desta vez, não foi assim, graças a vários portais de verificação de factos no Brasil, como “Fato ou Fake”, “Agência Lupa” e “Aos Fatos”, que se apressaram a desmentir a notícia falsa. No Facebook e no Twitter também já é difícil encontrar as publicações com as duas fotografias, que foram, entretanto, apagadas.
Avaliação do Polígrafo:
