Em debate sobre o Relatório de Progresso de Escrutínio da Atividade do Governo, a 24 de outubro, a deputada Mariana Leitão optou por questionar o Governo sobre “a entrada em vigor das leis e consequente regulamentação”. Mais concretamente, sobre “o que é que leva um Governo a não regulamentar uma qualquer lei, aprovada na Assembleia da República, em tempo útil”.
“Sabemos que à Assembleia da República compete legislar sobre as matérias da sua competência e fiscalizar a atuação do Governo e, em consequência, ao Governo compete regulamentar para que as leis possam ser aplicadas”, elaborou a líder parlamentar do partido, que notou ainda que “essa não regulamentação faz com que a lei, na prática, não seja possível a sua execução”.
Na sua perspetiva, “o facto de o Governo não fazer isso de forma diligente e dentro dos prazos, em respeito pelos restantes órgãos de soberania, no fundo, faz com que haja um desrespeito pelo Estado de Direito e pelas restantes instituições”.
Pelo que questionou: “O que é que leva um Governo a protelar a implementação de soluções, como é também competência do Governo, para garantir o cumprimento de uma lei? E vou relembrar: passaram 115 dias desde a entrada em vigor de uma lei que reduz as multas astronómicas por não pagamento das portagens. De forma ilegal, o Estado continua a não aplicar a nova fórmula de cálculo.”
Mas será que se confirma que esta lei ainda não está a ser sentida pelos condutores?
Em causa está, de facto, uma iniciativa – que derivou de um projeto de lei apresentado pelo Iniciativa Liberal – que foi aprovada pela Assembleia da República, em sede de votação final global, a 5 de maio de 2023, e que previa o seguinte, por via de uma alteração à Lei n.º 25/2006: “Altera o valor das coimas aplicáveis por contraordenações relacionadas às transgressões ocorridas em matéria de infraestruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagens.”
Segundo o texto final, apresentado pela Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação, em causa um novo regime que reduz a coima pelo não pagamento das portagens para um valor mínimo “correspondente a 5 vezes o valor da respetiva taxa de portagem”, mas “nunca inferior” a 25 euros – “e “de valor máximo correspondente ao dobro do valor mínimo da coima” (ou seja, 50 euros), dentro dos limites máximos previstos no Regime Geral das Infrações Tributárias.
Na verdade, a lei já se encontra publicada em Diário da República, detalhando-se que entraria “em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua publicação” e produziria efeitos a “1 de julho de 2024”. Contas feitas, passaram 115 dias desde a última data citada – e não desde que entrou em vigor, sendo de notar essa pequena imprecisão no discurso de Mariana Leitão.
Porém, o que resta do seu argumento é sustentado por uma notícia avançada, a 20 de outubro, pelo “Público”, dando conta de que a “Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não está a aplicar aos contribuintes a nova lei que reduz o valor das coimas pela falta de pagamento das taxas das portagens nas auto-estradas portuguesas”. Em causa um “atraso” que “já leva mais de três meses e está a impedir os cidadãos de regularizarem a situação fiscal de acordo com a lei, que pressupõe que o valor máximo das coimas baixe de cem para 50 euros”, segundo o mesmo jornal.
Questionado pelo Polígrafo, o Ministério das Finanças explicou que “a operacionalização da Lei n.º 27/2023 reveste-se de elevada complexidade, estando já concluída a 1ª fase do processo, de aplicação das novas regras de cálculo das coimas” – o que contraria parte do argumento apresentado pela deputada Mariana Leitão.
Assegurou, ainda, que “todos os processos de contraordenação e de execução fiscal que se encontravam em tramitação ou pendentes à data de 1 de julho de 2024 serão abrangidos pela aplicação das regras mais favoráveis”.
A tutela acrescentou ainda que, “para evitar que os cidadãos e empresas sejam penalizados pelo atraso na implementação, os processos em curso foram suspensos e as coimas vão ser recalculadas em todos os processos pendentes à data de 1 de julho”. Portanto, os “eventuais pagamentos que sejam efetuados posteriormente a esta data serão restituídos, de forma automática, pelo montante que exceda o valor que seja devido”.
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Avaliação do Polígrafo: