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Lei portuguesa permite que adultos tenham sexo com jovens de 14 anos desde que haja consentimento?

Sociedade
O que está em causa?
Maria Helena Costa, presidente da associação Família Conservadora, foi convidada num "podcast" em que foram discutidos os riscos da promoção da educação sexual nas escolas e as novas políticas de inclusão. A determinado momento, falou sobre a legislação portuguesa, alegando que esta permite que adultos tenham sexo com jovens de 14 anos, desde que seja consentido. Confirma-se?

Num podcast em que foram discutidos diversos assuntos polémicos, Maria Helena Costa falou sobre os perigos do ensino de educação sexual às crianças e da exposição dos jovens a estes temas. A determinada altura do episódio do “Guru Mike Billions“, a presidente da associação Família Conservadora condenou a lei portuguesa por esta alegadamente permitir que adultos tenham sexo com jovens de 14 anos.  

“Como assim? Um adulto pode ter sexo com alguém de 14 anos? Ou seja, um homem de 30 anos pode fazer sexo com um menor de 14 anos? Isso não é pedofilia?”, perguntou o apresentador do podcast.  Não, se houver consentimento (…) Mas uma criança pode consentir? Ela tem capacidade de consentir? Claro que não”, respondeu Maria Helena Costa.

Esta alegação tem fundamento?

Não. Em Portugal, a legislação estabelece os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual que prevêem a punição dos adultos que se aproveitam da inexperiência dos jovens e/ou de condições de vulnerabilidade para consumar atos de teor sexual.

Contactada pelo Polígrafo, Ana Castelo, advogada com experiência em Direito da Família e Penal, explicou que a lei não equaciona o consentimento do menor para descriminalizar a conduta. “O consentimento é irrelevante para se verificar um crime desta natureza”, assegurou.

Segundo a advogada, nestas idades os jovens estão em plena fase de desenvolvimento da livre personalidade e, por isso, a sua autodeterminação sexual precisa de proteção.  “Estamos a falar de, pelo menos, três artigos diferentes (artigos 171.º, 172.º, e 173.º), mas em nenhum deles há referência a consentimento da vítima, não sendo o mesmo relevante para o preenchimento dos elementos do tipo”, referiu a especialista.

Quando se fala em atos sexuais com jovens com menos de 14 anos, o crime é público e está descrito no Artigo 171.º do Código Penal como “Abuso sexual de crianças”. “Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos“, determina-se.

A pena sobe para entre os três e os dez anos de prisão se o acto sexual de relevo consistir em “cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos”.

No Artigo 172.º do Código Penal está descrito o crime: “Abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável”. Nestes casos, os agentes do crime são pessoas a quem o menor tenha sido confiado para educação e assistência. 

O artigo refere que “quem praticar ato sexual de relevo com um menor entre os 14 e os 18 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa”, é punido com uma pena de um a oito anos de prisão. E “se o ato sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos”. 

Já no Artigo 173.º do Código Penal sobre “Atos sexuais com adolescentes” consta que “quem, sendo maior, praticar ato sexual de relevo com menor entre 14 e 16 anos, abusando da sua inexperiência, é punido com pena de prisão até 2 anos”.  “Se o ato sexual de relevo consistir em cópula, coito oral, coito anal ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos”, lê-se ainda naquele artigo.

O Polígrafo contactou ainda Ana Perdigão, coordenadora do serviço jurídico do Instituto do Apoio à Criança (IAC), para perceber em que consiste o consentimento e em que casos ele é tido em consideração.

A responsável nota que a idade para o consentimento -no seu contexto abstrato- era de 14 anos, mas que após uma alteração à lei subiu para os 16 anos. No entanto, para além da idade há outros fatores que são analisados.

De acordo com o Artigo 38.º do Código Penal, o consentimento pode ser expresso por qualquer meio que traduza uma vontade séria, livre e esclarecida do titular do interesse juridicamente protegido, e pode ser livremente revogado até à execução do facto e “só  é eficaz se for prestado por quem tiver mais de 16 anos e possuir o discernimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance no momento em que o presta.

Logo, mesmo se o o consentimento fosse um aspeto determinante para avaliar os crimes sexuais contra adolescentes, a ideia de que os 14 anos seriam a idade em que os jovens poderiam tomar decisões desta natureza volta a cair por terra.

Conclui-se que a alegação de Maria Helena Costa sobre a lei portuguesa permitir que adultos tenham sexo com menores de 14 anos desde que haja consentimento é falsa. A legislação tem em conta a proteção do pleno desenvolvimento da personalidade dos jovens e considera que os atos sexuais de relevo possam ter algum efeito negativo nestas idades. O consentimento que em Portugal só pode ser dado a partir dos 16 anos não é tido em consideração para avaliar estas condutas criminais.

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Avaliação do Polígrafo:

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