"Este é o homem que, em 2022, faturou na sua empresa, só em fundos europeus, três milhões de euros. A lei dos titulares de cargos públicos estabelece que um titular de um cargo político que detenha mais de 10% de uma empresa com os seus ascendentes e celebre um contrato público deve ser demitido. É a penalização por prevaricar neste contexto. Este é o homem que apresentou a sua candidatura à liderança do PS", indica-se num vídeo que se tornou absolutamente viral nos últimos dias.

A "mentora jurídica" que o protagoniza garante que Pedro Nuno Santos, enquanto ministro das Infraestruturas, deveria ter sido demitido por deter mais de 10% (em conjunto com o pai) de uma empresa (Tecmacal) e ter celebrado um contrato público (noticiado em 2022). Mas será assim?

Nuno Cunha Rolo, especialista em contratação pública e ex-presidente da Associação Transparência e Integridade, confirmou ao Polígrafo que "um membro do Governo ou a sua sociedade na qual detém mais de 10% do capital social está impedido de intervir em procedimentos de contratação pública" e, se este "era o caso, então é uma situação suscetível de demissão como sanção".

No entanto, de acordo com Cunha Rolo, apesar de as declarações feitas no vídeo serem, grosso modo, aquilo que "está escrito na lei, isso não significa que a 'norma' aplicável ao caso seja o que lemos". Ou seja, "a interpretação da lei implica não apenas a letra da lei, mas também o seu sentido histórico, sistemático e contextual". Cunha Rolo acrescenta que é importante perceber qual "a interpretação que é dada pela autoridade que tem a iniciativa deste processo", que é o Ministério Público (MP).

Neste caso em particular, "em matéria de incompatibilidades e impedimentos de governantes com percentagens em sociedades, por si ou conjuntamente, superior a 10%, o Conselho Consultivo da PGR entendeu que a lei em apreço, 'ao proibir a participação em todos os concursos públicos, por empresas detidas por familiares dos titulares de cargos políticos, atentaria contra a liberdade de iniciativa económica privada de forma desproporcional, o que, em última análise, implicaria a sua inconstitucionalidade — por violação do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa'".

Mas há mais: "a lei exige que o caso tenha procedimento, isto é, uma iniciativa procedimental (que é do MP), um direito de audiência ou contraditório (MP e Governante visado) e uma apreciação final, em que o MP determinará se interpõe ação de demissão".

Em suma, Cunha Rolo conclui que "a sanção de demissão prevista na lei para o caso em concreto não é automática", visto que, por ser uma sanção, a "Constituição exige garantias e pressupostos mais exigentes (procedimento justo, garantias impeditivas de o caso ser instrumentalizado pela luta política, participação) e conforme o Estado de direito".

Em suma, é uma questão imprecisa "em face da interpretação legal vigente da PGR". Quanto à lei, "considerando o emaranhado de algumas lacunas ou omissões, contradições e interpretações (com princípios e normas da CRP), é mais difícil ser assertivo. A situação só será resolvida quando chegar ao TC ou em sede de alteração legal, na Assembleia da República".

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