“Estas são umas eleições [legislativas] pelas quais a maior parte de nós não esperava, embora houvesse quem tivesse avisado desde o início que a falta de um acordo escrito no início da legislatura iria encurtar a legislatura, tornando-a menos escrutinada. A maior maioria de esquerda de sempre foi esbanjada quando deveria ter sido utilizada para os grandes combates de esquerda do nosso país”, afirmou Rui Tavares, cabeça-de-lista do partido Livre pelo círculo eleitoral de Lisboa nas legislativas de 2022.
A frase foi proferida no sábado, dia 22 de janeiro, no decurso de uma iniciativa de campanha eleitoral na cidade de Almada. O fundador do Livre referia-se à “maioria de esquerda” que resultou das eleições legislativas de 2019 e não foi suficiente para segurar o Governo do PS até ao final da legislatura. Mas confirma-se que foi a “maior maioria de esquerda de sempre” ao nível da representação parlamentar?
Se ancorarmos essa “maioria de esquerda” num eixo que vai do centro-esquerda (PS, Livre) à esquerda ou extrema-esquerda (BE, CDU), em 2019 traduziu-se num total de 140 deputados: 108 do PS, 19 do BE, 12 da CDU e um do Livre.
Nestas contas não pode entrar o PAN, na medida em que o partido liderado por Inês Sousa Real recusa situar-se à esquerda no espectro político-partidário. Aliás, na sequência das legislativas de 2022 admite potenciais entendimentos tanto com o PS como com o PSD, em coerência com o seu posicionamento ideológico “nem-nem”, isto é, nem de esquerda nem de direita.
Essa maioria de 140 deputados terá sido a maior de sempre? Não. Basta recuar até às eleições legislativas de 2005, quando o PS (então liderado por José Sócrates) obteve uma maioria absoluta de 121 deputados à Assembleia da República. Somando os 14 deputados da CDU e os oito deputados do BE forma-se uma “maioria de esquerda” constituída por um total de 143 deputados.
Mesmo o conjunto de 31 deputados do BE e da CDU em 2019 não foi o maior de sempre. Nas eleições legislativas de 2009 já tinha sido alcançado esse mesmo número, embora com um repartição diferente: 16 do BE e 15 da CDU. E nas eleições legislativas de 2015 registou-se o ponto máximo do conjunto dessas duas formações mais à esquerda no atual espectro político-partidário: um total de 36 deputados, 19 do BE e 17 da CDU.
Das eleições para Assembleia Constituinte de 1975 também resultou uma “maioria de esquerda” mais expressiva, baseada num total de 151 deputados: 116 do PS, 30 do PCP e cinco do MDP. O mesmo se aplica às eleições legislativas de 1976, com um total de 148 deputados: 107 do PS, 40 do PCP e um da UDP.
Em conclusão, as eleições legislativas de 2019 não resultaram na “maior maioria de esquerda de sempre” ao nível da representação parlamentar. De acordo com as nossas contas foi apenas a quarta maior de sempre. Pelo que Rui Tavares errou na afirmação que proferiu em Almada.
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