Em abril de 2021, o juiz de instrução Ivo Rosa tinha decidido manter apenas 17 dos 188 crimes inscritos na acusação do Ministério Público no âmbito da “Operação Marquês”, além de mandar para julgamento apenas cinco dos 28 arguidos acusados. Mas essa decisão foi ontem (25 de janeiro) quase totalmente revertida pelas juízas desembargadoras Raquel Lima, Micaela Rodrigues e Madalena Caldeira, do Tribunal da Relação de Lisboa.
Cerca de uma hora após ter sido conhecida essa decisão, José Sócrates, antigo Primeiro-Ministro e figura central da acusação da “Operação Marquês”, reagiu em declarações aos jornalistas à porta da sua casa na Ericeira: “Não estou de acordo com a decisão da Relação. A decisão da Relação altera uma decisão judicial.”
Interrompido nesse momento por uma jornalista que disse ser “uma decisão tomada por um tribunal superior, que é normal no funcionamento do sistema judiciário”, Sócrates contrapôs: “Por isso mesmo é que eu vou recorrer para um tribunal superior também. Porque tenho direito a fazê-lo, julgo eu, porque é a primeira vez que vou recorrer.”
Na mesma declaração, o acusado de 22 crimes (branqueamento, fraude fiscal, corrupção passiva) alegou que não tinha recorrido, “quem recorreu foi o Ministério Público. E como a pronúncia não é igual à acusação, eu julgo que tenho esse direito e, portanto, vou recorrer para outro tribunal superior, para que outros olhos possam olhar para o que as senhoras juízas decidiram e possam julgar de outra forma”.
De um ponto de vista geral da “Operação Marquês”, a alegação de Sócrates – “é a primeira vez que vou recorrer” – não tem fundamento. Em junho de 2023, o jornal “Correio da Manhã” contabilizou um total de 52 recursos, reclamações e escusas que foram movidos pela defesa de Sócrates ao longo da última década. Nesse enorme volume de litigância o antigo Primeiro-Ministro obteve apenas cinco decisões favoráveis.
Mas a declaração em causa, proferida ontem ao final da tarde, incidia mais especificamente sobre a decisão do juiz de instrução e o recurso para um tribunal superior.
Nesse âmbito mais restrito, porém, também há factos que desmentem Sócrates.
Em março de 2023 foi noticiado que o Tribunal da Relação de Lisboa deu razão a um recurso de Sócrates acerca do seu pedido de prorrogação dos prazos para recorrer e arguir irregularidades e nulidades da decisão instrutória do processo “Operação Marquês”.
Perante o recurso da defesa de Sócrates, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que “uma vez que o processo é de excecional complexidade e que ao Ministério Público foi concedido o prazo de 120 dias para recorrer da decisão instrutória, o mesmo prazo devia ter sido concedido” ao antigo Primeiro-Ministro.
“Parece também razoável a concessão do prazo de 90 dias para a arguição de nulidades e irregularidades”, determinou-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, revogando assim o anterior despacho do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) que recusara a extensão dos prazos para recurso e arguição de nulidades e irregularidades da decisão instrutória.
Após ter sido pronunciado para julgamento por três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação, a defesa de Sócrates requereu, em 23 de abril de 2021, o alargamento dos prazos para a interposição de recurso sobre a decisão de pronúncia e para a arguição de nulidades e de irregularidades. No entanto, essa pretensão foi recusada pelo TCIC. A defesa de Sócrates insurgiu-se contra a decisão do juiz do TCIC que lhe indeferiu o alargamento do prazo de recurso sobre a decisão de pronúncia. Na altura, o TCIC fundamentou a recusa do alargamento do prazo por entender que não houve uma alteração substancial dos factos narrados na acusação.
No recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, a defesa de Sócrates alegou que a recusa do alargamento dos prazos representou “o culminar da brutal injustiça e dos violentíssimos abusos deste processo”.
A arguição de nulidade foi entretanto pedida pela defesa de Sócrates que está “a aguardar a decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal”, revelou Pedro Delille, advogado de Sócrates, em declarações à CNN Portugal (19 de dezembro de 2023).
Há mais exemplos. Em dezembro de 2021, a Agência Lusa informou que o Tribunal Constitucional rejeitara um recurso de Sócrates sobre a decisão da Relação de Lisboa quanto ao conflito de competências entre o juiz de instrução e o tribunal de julgamento.
De acordo com a mesma fonte, em “decisão sumária” o recurso foi rejeitado por “falta dos pressupostos processuais“. Em causa estava uma decisão do juiz da Tribunal da Relação de Lisboa, Trigo Mesquita, no âmbito de um conflito de competências entre o juiz de instrução Ivo Rosa, e a juíza do Tribunal Criminal de Lisboa, Margarida Alves, que recebeu deste a parte da “Operação Marquês” de pronúncia de Sócrates e do amigo e empresário Carlos Santos Silva.
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Avaliação do Polígrafo: