A aproximação a passos largos da apresentação do Orçamento do Estado para 2025, e consequentes dúvidas sobre se irá ou não ser aprovado e, caso passe, com a ajuda de quem (Chega ou PS), levou o tema a debate no canal Now (terça-feira à noite, 10 de setembro).
Indicando que, desta vez, até veio “munida de um relatório da OCDE” para não estar apenas em “bate-boca com o André Coelho Lima”, Joana Mortágua sublinhou que “a questão fiscal que está na base do orçamento, não é uma reforma fiscal, é uma contra-reforma fiscal para as elites e para quem ganha mais”.
Isto porque, garante, o relatório da OCDE “diz que Portugal está entre os países que têm taxas efetivas de IRC mais baixas” devido a um “conjunto de incentivos e benefícios fiscais, nomeadamente incentivos à capitalização das empresas”. A deputada aponta ainda que quando se refere a “taxas efetivas, não é apenas a taxa nominal, é realmente aquilo que as empresas pagam“.
Mas será mesmo assim?
De acordo com a última edição do relatório “Corporate Tax Statistics 2024” da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), publicado a 11 de julho de 2024, Portugal é um dos países da OCDE em que a taxa estatutária máxima de IRC é mais elevada, situando-se em 31,5% e mantendo a mesma em relação ao ano anterior. Esta percentagem inclui o valor do IRC (21%) e as derramas municipal (1,5%) e estadual (que pode atingir os 9%), cuja incidência é sobre os lucros tributáveis. É a sétima taxa mais elevada, sendo que se destacam no topo da tabela Malta e Colômbia, com 35%.
Por esse motivo, escrevia o Banco de Portugal em fevereiro de 2022, “a carga fiscal efetivamente suportada pelas empresas não é adequadamente captada pelas taxas estatutárias, dependendo também dos benefícios, incentivos e deduções fiscais vigentes a nível nacional e internacional”. Assim, esta “é tipicamente medida com recurso a taxas efetivas de imposto (ETR, na sigla inglesa)”.
Olhando para o relatório citado por Joana Mortágua, encontra-se a seguinte frase: “As taxas marginais efetivas de imposto (EMTR) estão entre as mais baixas em jurisdições com subsídio para capital social, ou seja, Chipre, Itália, Liechtenstein, Malta, Polónia, Portugal e Turquia.”
Mas poderá retirar-se daqui a conclusão de Joana Mortágua de que “Portugal está entre os países que têm taxas efetivas de IRC mais baixas”?
Não. Mas vamos por partes. No que diz respeito às taxas efetivas de imposto, o documento apresenta dois indicadores: a taxa de imposto marginal efetiva (EMTR) e a taxa de imposto médio efetivo (EATR). No caso da taxa marginal verifica-se que é de 16%, sendo que o cálculo é feito “assumindo uma taxa de inflação fixa em 1%, uma taxa de juros real fixa em 3% e fixando a taxa de retorno dos investimentos antes de impostos em 20%”. Portugal apresenta-se na 46.ª posição entre 90 países listados neste ranking.
Já no indicador da taxa média efetiva, Portugal encontra-se na 11.ª posição, com uma percentagem de 28,4%. Os únicos países europeus com uma EATR superior são Áustria e Malta, com 28,5% e 28,8%, respectivamente.
De referir ainda que o relatório da OCDE detalha, na página 35, que todos “os quatro indicadores de política fiscal são calculados aplicando regras fiscais específicas da jurisdição a um cenário prospectivo e hipotético de um projeto de investimento”.
Luís Leon, fiscalista e co-fundador da Ilya, explica ao Polígrafo que em IRC, “há muitas taxas marginais, porque são progressivas”, sendo que “o que a OCDE calculou foi para um investimento hipotético onde se possam aplicar benefícios fiscais face à taxa estatutária“. A mesma opinião tem Rogério Fernandes Ferreira, sócio fundador e managing partner da RFF & Associates, que indica que a afirmação da deputada bloquista é “enviesada” e que “extrapola (politicamente) uma conclusão com base em dados bem limitados”.
Como explica o fiscalista e ex-secretário de Estado de Guterres, o “capítulo do estudo referente às corporate effective tax rates é direcionado para a previsão do impacto fiscal sobre um hipotético projeto de investimento”, logo, “dele não se podem alcançar conclusões mais amplas, pois a tributação que incide sobre os rendimentos normais das empresas não está diretamente ligada a um concreto projeto de investimento, nem, no fundo, aos lucros sobre os quais não incidam eventuais incentivos ao investimento que existem em Portugal”.
Leon vai ao encontro do que diz Rogério Fernandes Ferreira apontando que os dados não concluem o que é que “as empresas, efectivamente, pagam“, até porque “as empresas, além das taxas sobre lucros, pagam taxas de tributação autónoma sobre certas despesas”. O fiscalista conclui que “o relatório não olha para as taxas efetivas reais“.
Já o managing partner da RFF & Associates acrescenta que, “atendendo à forma como o indicador utilizado no discurso é obtido e apresentado no referido estudo, em correlação com um hipotético projeto de investimento, do mesmo não resulta, se quisermos ser sérios, qualquer medida da tributação efetiva das empresas em Portugal”.
Ao Polígrafo, o Bloco de Esquerda indica apenas que “o que é facto é que a legislação portuguesa permite as empresas deduzir e beneficiar de uma série de reduções“.
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Avaliação do Polígrafo: