- O que está em causa?É uma publicação que acumula mais de 400 partilhas no Facebook, difundindo uma lista de recomendações para supostamente "fortalecer naturalmente" o sistema imunitário "em poucos dias" e assim exponenciar "um potencial de defesa e cura [nomeadamente da Covid-19] que é infinitamente mais poderoso do que qualquer droga no mundo e pode ser ativado rapidamente". Verificação de factos.

"Em que momento foi explicado à população que todos temos a capacidade de fortalecer naturalmente o nosso sistema imunitário em poucos dias ou em poucas semanas? Isso certamente não impediria a propagação do vírus, mas fortaleceria as nossas defesas contra ele e, portanto, reduziria a proporção de casos graves, para curar muito mais rapidamente em casa", alega-se na mensagem da publicação, na qual também se critica o incentivo a "proteções externas" para ajudar o organismo.

Segue-se uma lista de recomendações de práticas que supostamente ajudam a melhorar o sistema imunitário:
- "A eficiência do nosso sistema imunitário depende estreitamente da qualidade da nossa flora intestinal";
- "Desinfetantes eliminam a primeira barreira imunitária natural do nosso corpo";
- "Jejum fortalece o sistema imunitário em apenas três dias";
- "Banho frio em poucos dias aumenta o nível de certos linfócitos T";
- "O medo é imunossupressor".
Estas recomendações têm validade científica?
"Desinfetantes eliminam a primeira barreira imunitária natural do nosso corpo"
Questionado pelo Polígrafo, João Júlio Cerqueira, médico especialista de Medicina Geral e Familiar e criador do projeto "Scimed", sublinha que "a lavagem das mãos é um dos métodos mais simples, baratos e eficazes de evitar a propagação de infeções, sejam elas víricas ou bacterianas".
Estes benefícios, assegura o especialista, estão confirmados por "décadas de investigação" e as vantagens da desinfeção das mãos com álcool-gel "são imensamente superiores às possíveis desvantagens associadas à relativa agressividade desses produtos".
Caso surjam feridas ou a pele fique ressequida devido ao uso destes produtos, o médico especialista recomenda a utilização de "cremes hidratantes" para prevenir ou debelar tais efeitos secundários.
"A eficiência do nosso sistema imunitário depende estreitamente da qualidade da nossa flora intestinal"
Perante esta alegação, Cerqueira afirma que "apesar de ser perfeitamente adequada uma alimentação rica em frutas, legumes e vegetais para uma vida saudável, o conhecimento da relação entre a flora intestinal, o sistema imunitário e o impacto da alimentação nessa relação ainda está na sua 'infância'".
O médico especialista reconhece que "uma alimentação saudável e variada é importante para garantir um bom aporte nutricional ao organismo" e para que o sistema imunitário "tenha todos os micronutrientes necessários para funcionar o melhor possível".
No entanto, adverte que "ainda está por estabelecer" se isso "influencia de forma decisiva a flora intestinal" e que impacto tem "nas defesas do organismo contra infeções víricas e bacterianas".
Além disso, sublinha, esta alegação pretende estabelecer uma ligação entre a qualidade da flora intestinal e o combate a infeções respiratórias, "sem relação com o sistema gastrointestinal".
"Jejum fortalece o sistema imunitário em apenas três dias"
Na resposta ao Polígrafo, o especialista refuta por completo a alegação de que o jejum possa ser benéfico nesse sentido. "Não há qualquer prova de que o jejum intermitente consiga prevenir infeções através do reforço do sistema imunitário", garante.
De acordo com Cerqueira, o jejum intermitente pode mesmo ter "o papel contrário, já que pode aumentar o risco de desnutrição, o que compromete o funcionamento do sistema imunitário".
"Banho frio em poucos dias aumenta o nível de certos linfócitos T"
Os banhos de água fria são realmente úteis? Cerqueira admite que podem aumentar o nível de certos linfócitos C mas que tal "não significa que haja um 'reforço do sistema imunitário' que proteja as pessoas contra infeções ou que seja, sequer, algo desejável".
O especialista recorre ao exemplo da auto-hemoterapia - técnica que consiste em retirar sangue intravenoso de uma pessoa e voltar a inserir esse sangue no mesmo paciente - para defender que "determinadas observações como 'aumento de células T' não têm qualquer interesse até haver ensaios clínicos que demonstrem as vantagens anunciadas prematuramente".
Segundo Cerqueira, a prática da auto-hemoterapia "também aumenta o nível de macrófagos e outras células do sistema imunitário sem qualquer demonstração de que essas pessoas [que recorrem a tal prática] sejam mais saudáveis, tenham menos infeções ou vivam mais tempo".
E conclui: "O mais provável é que tal aumento seja apenas o organismo a recrutar células para 'limpar' o coágulo de sangue criado pela técnica".
"O medo é imunossupressor"
Quanto a esta alegação, o médico explica que tanto o medo, como o stress crónico, aumentam a "libertação de cortisol, entre outras alterações fisiológicas, e este parece estar associado ao aumento do risco de infeções".
Contudo, ressalva que "os estudos nessa área são bastante heterogéneos. É desconhecida a magnitude do impacto do medo e podem existir outros factores que estejam a afetar a relação de suposta causalidade".
Cerqueira defende, ainda assim, que "adotar medidas de gestão de stress é positivo, de forma transversal, mesmo que o impacto na redução do risco de infeção seja residual".
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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.
Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é:
Falso: as principais alegações dos conteúdos são factualmente imprecisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações "Falso" ou "Maioritariamente Falso" nos sites de verificadores de factos.
Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é:
